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"Quem Matou Roland Barthes?" satiriza intelectualidade francesa

Barthes em casa nos anos 1970: episódio da morte do autor serve de mote para narrativa de Laurent BinetFoto: Graeme-Baker / Reprodução
Em um ensaio de 1980 sobre o escândalo de um renomado curador de arte que havia se revelado um improvável espião soviético, o crítico George Steiner escreveu: "O erudito sai de seu isolamento retrospectivo para tentar se agarrar à vida sexual, social ou política. Salvo raros casos (...), a erudição obsessiva gera uma nostalgia pela ação". Esse paradoxo e seus desdobramentos, inclusive os mais ridículos, bem poderiam ter inspirado a estrutura de Quem matou Roland Barthes?, novo romance de Laurent Binet, que encena uma trama de espionagem no mais improvável dos ambientes: o mundo da alta semiologia no mesmo ano 1980 em que Steiner escreveu o artigo mencionado no início deste texto.
Quem matou Roland Barthes? é o título escolhido pela editora nacional para dar uma ideia mais óbvia da obra já na apresentação (no original, o romance se chama "A sétima função da linguagem"). Logo na cena inicial, vemos Roland Barthes, ele mesmo, o prolífico intelectual francês, ser atropelado pelo furgão de uma lavanderia voltando de um almoço com o então candidato socialista à presidência francesa, François Mitterrand. Seu corpo demora a ser identificado porque está sem documentos – circunstância estranha, já que Barthes os tinha consigo ao sair de manhã. Até aqui, tudo é biografia, dado que Barthes de fato morreu um mês após ser atropelado em 25 de fevereiro de 1980. As razões para o sumiço dos documentos de Barthes, e mesmo os motivos de sua morte um mês depois, é que formam o ponto de partida para o romance, uma delirante trama de espionagem em que Barthes e outros personagens acabaram mortos devido a um documento que, de algum modo, dá ao seu portador acesso à "sétima função da linguagem" que o linguista Roman Jacobson esboçou sub-repticiamente em suas teorias: a do convencimento, que poderia obrigar o interlocutor a fazer qualquer coisa.

Como não poderia deixar de ser para um romance em que a linguagem é o objetivo secreto de uma conspiração no coração de uma das ondas mais herméticas da teoria francesa, o livro logo se torna uma mistura de paródia de thriller com sátira filosófica. Um detetive de polícia conservador segue a pista da misteriosa morte que logo deixa de parecer acidente, e topa ao longo do caminho com os luminares do pensamento acadêmico da segunda metade do século 20: Michel Foucault, Jacques Derrida, Julia Kristeva, Bernard-
Henri Lévy, Gilles Deleuze, Louis Althusser. Para se orientar entre as elucubrações dessas figuras que parecem falar outro idioma, o policial recruta como seu assistente um jovem professor cujo talento em semiologia o transforma em uma espécie de Sherlock Holmes acadêmico, e as investigações da dupla deslindam uma trama rocambolesca envolvendo agentes russos, búlgaros e japoneses, o submundo da prostituição masculina frequentado alegremente por Foucault (e timidamente por Barthes) e até o impopular presidente francês Valéry Giscard D'Estaing.
Binet é um dos grandes autores franceses do século 21, graças a seu romance HHhH (2010), uma poderosa narrativa que misturava a reconstituição do atentado que matou o carrasco nazista Reinhard Heydrich em Praga, em 1942, com reflexões sobre o papel do escritor na recuperação de uma história cujas pistas se perderam. Quem matou Roland Barthes? é um livro com proposta diversa, e sua necessidade de explicar ao leitor noções de linguística e filosofia pesa nas primeiras páginas. A trama de espionagem é uma bobagem tão completa que o próprio autor a abandona várias vezes, no que faz muito bem, porque está na sátira impagável ao pensamento acadêmico hegemônico durante o século 21 o cerne de uma narrativa que vai melhorando à medida que incorpora outros fatos reais a sua delirante trama. Um amálgama de vários pastiches que, embora não façam sombra à qualidade de HHhH, terminam como um conjunto menos desarmônico e mais semelhante a um tributo do que era sugerido em seu início. 
QUEM MATOU ROLAND BARTHES?
De Laurent Binet
Companhia das Letras, tradução de Rosa Freire D¿Aguiar, 412 páginas, R$ 59,90. 
Cotação: 3 de 5

LANÇAMENTOS
IDIOMA DE UM SÓ
De Ricardo Koch Kroeff
Ricardo Koch Kroeff estreia na literatura na próxima terça-feira, com o lançamento deste livro de contos, às 19h, na Galeria em Branco (São Luís, 619). Formado em comunicação, Kroeff escreveu Idioma de um só como dissertação de seu mestrado em Escrita Criativa pela PUCRS. As narrativas mergulham em um universo surrealista de cores e imagens, evocando referências como Salvador Dalí, Van Gogh e Bob Dylan. 
Contos, Não Editora, 114 páginas, R$ 39,90

POR TODAS AS VEZES QUE FIZ CASA NO PEITO DE UMA MULHER
De Mariana Diffini
Depois do volume de contos Amora, da gaúcha Natália Borges Polesso, arrebatar um Prêmio Jabuti, mais uma reunião de histórias curtas ajuda a literatura de temática homossexual a ganhar visibilidade no RS. A estreia editorial de Mariana Diffini, 26 anos, trata de relacionamentos entre mulheres, mais especificamente de seus términos. São 12 contos, cada um inspirado em um signo diferente do zodíaco. 
Contos, edição da autora, 82 páginas, R$ 15 (disponível na Livraria Baleia)

UM POUCO MAIS AO SUL
De Luiz Rebinski
Este é o primeiro romance do jornalista paranaense Luiz Rebinski, editor do jornal literário Cândido. Na trama, o bem-comportado Vlad reencontra o irmão Noia, que não via há 10 anos e habita o submundo das drogas de Curitiba, fazendo com que o personagem conheça uma realidade até então ignorada. "Difícil de largar a leitura de Um pouco mais ao sul assim que o começamos", elogiou o contista Antônio Carlos Viana, morto em outubro, na orelha do volume. 
Romance, edição do autor, 216 páginas, R$ 30

Ouça a Canção do Vento e Pinball, 1973
De Haruki Murakami
Em 1978, o então desconhecido Haruki Murakami começou a escrever Ouça a canção do vento nos intervalos de trabalho do bar que mantinha. Lançado no ano seguinte, o romance alcançou grande sucesso e estimulou o autor a criar uma continuação, intitulada Pinball, 1973, editada em 1980. As duas narrativas, que marcam o início da carreira literária de um dos principais autores contemporâneos do Japão, chegam finalmente ao Brasil, reunidas neste volume. Romance, Alfaguara, 264 páginas, R$ 54,90

Zero Hora

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