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Ficção científica 'Passageiros' investe no lado romântico

Cena do filme "Passageiros", de Morten Tyldum ("O Jogo da Imitação"). (Divulgação)
Por Alysson Oliveira
Se “Passageiros”, de Morten Tyldum (“O Jogo da Imitação”), tivesse a coragem de se assumir como a ficção científica que se anuncia, talvez fosse menos problemático do que o drama romântico que é.
A premissa é boa, embora já explorada com mais competência em dezenas de filmes e romances do gênero. Sujeito perdido e sozinho no espaço. O que fazer? Não muito tempo atrás, Matt Damon, em “Perdido em Marte”, plantou batatas até chegar o resgate.
O personagem de Chris Pratt, Jim Preston, está numa situação semelhante, ainda que não precise produzir sua própria comida. Numa nave generacional (que viaja numa velocidade menor do que a da luz e vai levar mais de um século para chegar ao seu destino), ele acorda da hibernação muitos anos antes de concluída a viagem, quando a câmara onde dormia sofre uma pane.
O que fazer em uma nave que mais parece um hotel de luxo? Além de estar completamente só, ele não tem tantas opções para matar o tempo, no entanto. Há distinção de classes e a dele parece ser uma das mais baixas, não lhe dando acesso a todos os ambientes, nem a muitas opções de alimentação. E mandar um recado à base na Terra não é uma opção viável, pelo larguíssimo tempo exigido.
Jim Preston, então, passa alguns anos se entretendo como pode: saindo da nave por uma porta especial e passeando no espaço, e conversando com um robô-barman (Michael Sheen), enquanto se embebeda.
Ele também tem acesso a todos os arquivos com informações dos 4.999 passageiros que ainda hibernarão por cerca dos 130 anos que a viagem ainda durará. É aí que ele descobre Aurora (Jennifer Lawrence), uma escritora a caminho de nova colônia apenas pela experiência, para ficar um ano e depois voltar à Terra (onde todo mundo que conheceu estará morto há anos) e escrever um livro.
Sem muita crise de consciência, ele a desperta. E junto com ela chegam também os maiores problemas do filme que sai do prumo exatamente nesse momento.
Escrito por Jon Spaihts (também roteirista de “Prometheus”, outro filme que começa bem e acaba mal), “Passageiros” é a materialização de um fetiche masculino potencializado: a mulher dependente e presa a um homem. Aurora – sem saber o que ou quem a acordou – não tem muita opção a não ser se apaixonar por Jim.
E é claro que isso acontece. O dilema ético e moral que surge daí é substituído por joguinhos de sedução em torno da beleza do casal e do espaço sideral. A partir do momento que Jim acorda Aurora, ele a condenou a uma vida ao seu lado (mesmo que ela o ignore). As justificativas, obviamente, para tal ato partem apenas das necessidades dele.
Não é difícil simpatizar com Jim, um sujeito legal preso sozinho no espaço. Mas ele tinha direito sobre a vida de Aurora? Qualquer crise de consciência que ele pudesse ter logo se dissipa, pois a cada cena o filme parece querer justificar a atitude do personagem.
Há um ou outro momento com um bom visual – uma piscina num ambiente sem gravidade é o melhor deles – mas “Passageiros” não se sustenta. Nota-se uma certa falta de química entre os atores – as tão faladas cenas de sexo são de uma sensualidade tão mecânica quanto o robô-barman – e nem o até agora infalível carisma de Jennifer Lawrence encontra sua melhor expressão aqui.

Reuters

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