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O Genocídio do Negro no Brasil, de Abdias Nascimento, é reeditado

Jáder Santana
jader.santana@opovo.com.br
Foi Abdias Nascimento que gritou ao mundo a situação dos negros no Brasil. Durante grande parte do século XX, a comunidade internacional acreditou que a democracia racial era regra no paraíso dos trópicos, que nossa população de afrodescendentes vivia melhor que os negros nos Estados Unidos ou na África do Sul do apartheid. Por aqui, não haveria relação de causa e consequência entre a pobreza e o preconceito racial.
Neto de escravos, nascido 26 anos depois da firma do documento que aboliu a escravidão no País, Abdias sabia de suas feridas e estava disposto a ostentá-las. Em 1977, desafiando a propaganda otimista do regime militar, nos chamou de genocidas. Participante em um festival de artes e culturas negras na Nigéria, apresentou seu O Genocídio do Negro Brasileiro, texto combativo que jogava luz sobre o racismo cotidiano que contaminava nossas leis e discursos políticos.
Falecido em 2011 aos 97 anos, Abdias foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, deputado federal e senador, atividades que nunca deixaram de dialogar com sua trajetória como ativista social. Esteve à frente de projetos pioneiros na luta pela igualdade racial, como o Teatro Experimental Negro, nascido em 1944, e a instituição do Dia da Consciência Negra. Mas foi a publicação de O Genocídio do Negro Brasileiro que fez tremer as bases de nossa autoconfiança histórica.
“Ele propõe um debate com Gilberto Freyre, que na época era incontestável, e com sua principal obra, Casa-Grande & Senzala, questionando a teoria do luso-tropicalismo”, explica o sociólogo André Luís Pereira, responsável pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Riograndense (IFSUL). André investigou a produção de Abdias na dissertação O Pensamento Social e Político na Obra de Abdias Nascimento, de 2011.
André ressalta que o texto de O Genocídio desconstrói a opinião de Freyre de que os portugueses seriam senhores paternalistas para seus escravos. “Ele mostra que essa morenidade foi levantada para diluir a importância da raça negra como formadora. Aponta para a construção de termos, como a ideia da mulata, que na verdade é uma vítima do estupro do senhor”, explica.
A reedição da principal obra de Abdias parece ainda mais urgente quando se observa a atualidade de suas provocações. Divulgado em julho do ano passado, relatório da CPI do senado sobre o assassinato de jovens mostrou que, no Brasil, um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos. Anualmente, são 23.100 vítimas com idade entre 15 e 29 anos.
“É um livro extremamente atual. Essa crítica ao mito da democracia racial me parece fundamental nesse momento em que políticas públicas que foram pensadas para que a população negra pudesse reduzir a desigualdade estão sendo desconstruídas, quando se percebe o quanto a situação negra se encontra aquém daquilo que devia ser o acesso normal de direitos prestados pelo estado”, avalia André, ecoando a opinião de que, apesar da evolução da mentalidade da academia e do trabalho de ativistas, muito pouco mudou.
Serviço 
O Genocídio do Negro Brasileiro, de Abdias Nascimento
232 páginas
Preço: R$ 45
Editora Perspectiva
O Povo

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