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Alunos da 23ª turma de licenciatura em teatro do IFCE estudam a exclusão social

Estão nos mais diferentes espaços. Ocupam ruas, calçadas, avenidas e ambientes de trabalho. Outro dilema recai sobre compreender ou identificar estes seres em meio à rotina do dia a dia. Tal expediente configura-se um exercício hercúleo e o resultado, por vezes, é devastador para alguém minimamente dotado de empatia.

O texto, vale determinar, recai sobre uma maioria dentro da sociedade brasileira. Refere-se àquela parcela onde estão alojados, por exemplo, do catador de papelão ao lixeiro; do pedinte ao figura que lustra seus sapatos. São estes seres invisíveis marginalizados, o ponto de intercessão para o espetáculo "S/N - Sem Número".

A peça integra a agenda de abril do Teatro Sesc Iracema e ocupa o equipamento hoje (7), sábados (8 e 22) e domingos (9 e 23). A iniciativa surgiu como trabalho de conclusão da 23ª turma do curso de licenciatura em Teatro do Instituto Federal do Ceará (IFCE), e representa o esforço em conjunto dos atores George Hudson, Jorge Lopes e Taciana Moura Morais.

Desafio

"Ainda sobre a questão do outro, em meio à rotina, não observamos o outro. Vivemos imersos em uma miopia social, causada por camadas da nossa vida cotidiana, que nos impede de ver. Dessa forma enxergamos apenas a imagem que nos é dada, o que é do senso comum" defendem os realizadores.

A investigação deste trio recai sobre uma série de histórias pequenas, casos estes que se repetem e sofrem com o signo da desimportância. Em cada construção destes relatos existe uma odisseia, em cada ação em busca de sobrevivência o grupo investe em extrair elementos extraordinários capazes de costurar a vida.

Em cena, são colocadas estes personagens sem número, sem moradia, sem perspectiva, que tiram da rua o sustento e habitat. Como prerrogativa foi necessário questionar o que os torna diferentes dos demais. Elemento como dor, loucura e poesia se fundem a processos como dignidade, assistência e atenção. "Torná-las mais miseráveis e apenas um número perante as estatísticas no Brasil é vandalismo", explicam.

"S/N - Sem Número" tenciona contar histórias que habitam no mesmo espaço (a rua), mas que carregam um mundo de semelhanças. São figuras espalhadas, por exemplo, pela Praça do Ferreira ou Mercado São Sebastião. São Darlans, Zefas e Irenes que insistem em ser gente, superar as adversidades de uma urbe em constante falta com o diálogo. Isolados neste universo, nascem e morrem a cada dia e insistem em continuar.

Como ponto de partida o grupo teve no livro "A vida que ninguém vê", da jornalista Eliane Brum, o início de uma dramaturgia colaborativa de personagens e histórias próximas de cada um dos atores envolvidos. A partir daí, passamos a ver a rua de outra forma: olhar é um exercício diário de resistência.

"Esse trabalho nos impôs curvar nossos pescoços e colocar nossos olhos no mesmo plano desses humanos que vivem no anonimato das ruas. Observando de perto tais humanos, concluímos que a vida de qualquer um deles é infinitamente mais complexa e fascinante do que a do mais celebrado herói. Precisamos pensar, ouvir e ver o outro, mesmo não estando do mesmo lado", detalham.

Sobre o processo de criação, a atriz Taciana Morais explica como se deu a edificação do espetáculo. Dentro deste desenvolvimento cênico partem propostas de como se refletir o que ainda é capaz de nos tornar humanos. Compreender, assim, o que o outro carrega e os gestos capazes de construir essas identidades. "Tivemos a inspiração no livro e no olhar da jornalista gaúcha, porém, os personagens retratados por ela fazem parte de outro contexto geográfico. Como entendo que a pobreza é a mesma em qualquer lugar do mundo, tratamos de observar o universo de Fortaleza", afirma.

O trio partiu na busca de seres espalhados entre os territórios públicos da capital. Um cenário visitado e representado, entre outros pontos, pela Praça do Ferreira e Mercado São Sebastião. Observando estas pessoas nas ruas, comprovando tais situações, tivemos o suporte criativo. Cada integrante criou seu personagem e texto a partir destas experiências e do dia a dia e rotina dessas pessoas despercebidas", destaca a atriz.

Quando se ilumina e se discute o tema da invisibilidade social no Brasil, o estudo realizado pelo psicólogo e pesquisador Fernando Braga da Costa mantém-se pertinente e relevante. Sua obra "Homens Invisíveis: Relatos de uma Humilhação Social" é fruto da dissertação de Mestrado defendida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Apoiado inicialmente nos estudos da filósofa francesa Simone Weil (1909-1943), o então estudante debruçou-se sobre a desigualdade e exclusão dos indivíduos e o desaparecimento simbólico de indivíduos pobres com profissões que não exigem qualificação escolar ou técnica.

Na ocasião, chamou atenção a invisibilidade simbólica dos garis da cidade universitária da USP. Em determinado momento, Braga vestiu-se de gari e percebeu que não foi enxergado e reconhecido por amigos, colegas e professores que haviam estado com ele algumas horas antes. "Como é trabalhar essas pessoas esquecidas, trabalhamos em cima deste tema e temos o teatro como manifestação política em prol dessas pessoas", finaliza Taciana Morais.

Obra

Em "A vida que ninguém vê", percebemos uma repórter em busca dos acontecimentos que não viram notícia e das pessoas que não são celebridades. Eliane Brum se sobressai como uma cronista em busca do extraordinário contido em cada vida anônima.

Eclodem brasileiros como o mendigo que jamais pediu coisa alguma, o carregador de malas de aeroporto que nunca voou e até um homem que comia vidro, mas só se machucava com a invisibilidade. Essas histórias da vida real, misto de crônicas-reportagens, foram publicadas nas edição de sábado do jornal gaúcho Zero Hora. Reunidas em livro, formam uma obra que toca pela sensibilidade da prosa e pertinência do olhar.

Diário do Nordeste

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