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Cinema Majestic, o primeiro cineteatro, surgiu há 100 anos

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O prédio do Majestic foi inaugurado em 1917 e a sala de projeção totalmente destruída por um incêndio em 1969 ( Foto: Arquivo Nirez 
Os cavalos dos filmes de faroeste pareciam ter invadido a sala de projeção quando o público empolgado batia os pés no piso de madeira, imitando o som dos galopes. Francisco Aragão Marques, 68, "não tinha hábito de ver filme e não podia nem entrar no cinema", porque era menor de idade, à época, mas lembra bem - e quase visualiza a memória, de tão forte - dos comentários onipresentes em Fortaleza sobre o primeiro cineteatro da cidade: o Cine Majestic, inaugurado em 1917, na Praça do Ferreira. Se ainda existisse o antigo prédio, o piso de madeira, rico artigo arquitetônico e, por tabela, instrumento de sonoplastia, seria vizinho da banca de revistas de Aragão e completaria 100 anos, em julho próximo.
Lobrás
O espaço hoje é ocupado pelas lojas, escritórios e consultórios médicos do Edifício Lobrás, localizado no número 1071 da Rua Barão do Rio Branco. Assim como várias construções que se perderam entre prédios e comércios modernos, o Majestic resiste apenas na lembrança de quem viveu em uma Capital ainda inspirada nos hábitos europeus. "Era um edifício imponente, de vários andares, e a sala de projeção era também um teatro. O primeiro espetáculo foi da transformista italiana Fátima Miris, dia 14 de julho de 1917", recobra o historiado Miguel Ângelo, o Nirez.
Depois dos filmes e das peças teatrais - diversões-refúgio mais cobiçadas na ausência de shoppings -, era comum que a praça ficasse ocupada por famílias tomando sorvete, olhando as vitrines das boutiques e irrigando as veias de um Centro da cidade já repleto de diferenças sociais, dentro e fora das salas de projeção. "O Majestic foi o primeiro a ter o espaço dividido nos setores de plateia, camarote e geral. O pessoal da geral, lugar mais barato, ficava jogando coisas nos camarotes e na plateia. Esses eram chamados de moleques. Só pela estrutura, o Cine já permitia esse tipo de manifestação de repúdio às classes superiores", conta o historiador Sebastião Rogério Ponte, pesquisador das reformas urbanas e sociais da cidade.
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O espaço hoje é ocupado por outro prédio, onde funciona o Edifício Lobrás, localizado no número 1071 da Rua Barão do Rio Branco ( Foto: Nah Jereissati )
Sem noção
"Quem não admirou o Majestic é porque não tinha noção de ser humano", sentencia o aposentado Luís Ferreira, 71, escorado no balcão da recepção do Edifício Lobrás. Os elevadores, a televisão na parede e o rosto mais moderno que o prédio apresenta hoje não são tão familiares, é verdade, mas ainda assim as lembranças de quando o aposentado assistia às películas ao lado dos falecidos pais fluem na memória. "O Cine era muito grande e bonito, uma obra de arte! Assistir filme lá fazia uma higiene mental, sabe? A gente saía com história pra contar. Meus amigos vinham conhecer depois de tudo o que eu falava".
O incêndio que destruiu a sala de projeção e desativou de vez o Cine Majestic em 1969 foi, para o aposentado, "premeditado, coisa de gente que queria acabar com a arte".
Na História, entretanto, não há nada que comprove as reais causas do fogo, embora historiadores acreditem que a estrutura elétrica das construção antigas era propícia a acidentes dessa natureza. Tanto que, bem antes do fatal, outro incêndio, em 1955, já havia danificado as estruturas do majestoso cineteatro, que ficava no térreo do prédio Majestic Palace.
Identidade
Além dos cinemas que nem existem mais - acrescente-se Diogo, Jangada, Old Metrópole, Fortaleza, Cine Moderno, Cine Rex, Cine Art, e vários extintos cinemas de bairro da Maraponga a Messejana -, outros espaços da Capital cearense, como o Cineteatro São Luiz e os centenários Theatro José de Alencar (1910), Igreja do Rosário (1730) e Museu do Ceará (1871) constroem a memória de Fortaleza, sendo documentos concretos da história e da identidade de quem viveu aqui. O Museu, aliás, explica Ponte, foi erguido como sede da Assembleia Provincial do Ceará, em 1856, transformando-se depois em espaço para arte.
"Essas construções são essenciais e devem ser preservadas, porque revelam não só a arquitetura, mas as práticas, os usos dos espaços e os valores sociais da época", ressalta o historiador. As residências que não foram alicerçadas pelas elites fortalezenses também são destacadas por Ponte como parte importante do DNA da cidade.
"Nós também temos construções populares que devem ser preservadas, que resgatam o modo de morar das camadas mais populares", avalia.

Diário do Nordeste

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