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50 anos do lançamento de Tropicália

por Iracema Sales - Repórter
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Capas dos discos de artistas da Tropicália: movimento, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa
A noite de 21 de outubro de 1967 - há exatos 50 anos - marcou não apenas a final do terceiro Festival da Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, mas o lançamento do embrião daquele que seria um dos mais importantes movimentos musicais e culturais do País: a Tropicália.
Ao juntar múltiplas linguagens - cinema, teatro, artes plásticas e literatura -, os idealizadores do movimento, dois jovens desconhecidos cantores e compositores, vindos da Bahia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, demonstraram beber em diferentes fontes para fundar as bases do movimento.
Apesar de não ganharem o festival, as músicas "Alegria, alegria" (4ª colocada) e "Domingo no parque" (2º lugar) anunciaram as boas novas de um movimento libertador no campo das artes. A música "Ponteio", de Edu Lobo, ganhou o primeiro lugar do festival, que se tornou o mais importante da história da música brasileira.
Os idealizadores misturaram elementos do modernismo antropofágico, herdado da Semana de Arte de 1922, passando pela rebeldia dos poetas da geração beat, elementos da contracultura, o romantismo popular - denominado nos dias atuais de brega - e os jogos semióticos usados pela poetas concretistas.
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Dessa "geleia geral", nome de uma das músicas do disco-manifesto "Tropicália ou Panis et circencis" (1968), do criador de "Domingo no parque", formou-se a espinha dorsal do movimento, que colocou a cultura brasileira, em especial a música, no contexto universal.
"A Tropicália se apropriou de várias conquistas", assegura o crítico musical e jornalista Tárik de Souza, lembrando das referências tiradas da antropofagia de Oswald de Andrade (1890- 1954), que pregava deglutir os elementos da cultura estrangeira e transformá-los.
Ao defender a tese "de que tudo valia", o movimento, cujo apogeu se deu entre o segundo semestre de 1967 e o primeiro de 1969, escancarou suas portas a diferentes linguagens.
A frase do autor de "Alegria, alegria" resumiria o espírito da Tropicália, gritando aos quatro cantos: "é proibido proibir", orientação levada ao pé da letra. O crítico musical, que assina texto da contracapa da reedição de 2014 do antológico disco, explica que, em tese, a Tropicália era um movimento que modificava a bossa nova.
Abertura
Entretanto, as mudanças foram menos ousadas, em termos de estética musical do que as promovidas pela bossa, responsável por acordes dissonantes, trazendo modificações mais agressivas à música brasileira. "Numa análise mais profunda levando em consideração as composições harmônicas, a bossa nova é mais arrojada", reitera o empresário e pesquisador musical Juarez Sampaio.
Em linhas gerais, a Tropicália promoveu uma abertura para todas as linguagens, tendo como característica a liberdade por excelência. Mas foi freada pela ditadura militar, principalmente após a promulgação Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968. O ano coincide com o fim do grupo como coletivo.
A Tropicália "misturou música brega, rock, introduziu as guitarras elétricas. Essa mudança possibilitou abertura para várias tendências", analisa Tárik de Souza, citando o concretismo, a música erudita dos maestros Rogério Duprat (1932-2006), Júlio Medaglia, e o experimentalismo de Stockhausen e John Cage como outros ingredientes a compor suas bases teóricas. Pela concepção da Tropicália, o ruído pode ser considerado também como som.
E tudo isso foi incorporado, observa o crítico, destacando o conteúdo revolucionário do movimento em todos os aspectos.
A Tropicália não se restringiu apenas ao campo estético-musical, expandindo-se para o cultural. E, assim, o movimento, aos poucos, ganhou corpo, sendo forjado nas brechas cavadas no terreno arenoso da ditadura militar (1964-1985). "A esquerda não concordava com as propostas", relembra o crítico. Porém, era impossível ignorar a explosão cultural que eclodia mundo afora com reflexos no Brasil, atirando para várias direções e sintonias. Os Beatles com seu lendário "Sargent Peppers lonely hearts band" e as músicas de Jimmy Hendrix e Janis Joplin faziam parte do caldeirão cultural que influenciou diretamente o movimento.
O crítico resume bem esse espírito, em texto da reedição do LP "Tropicália ou Panis et circencis", ao escrever: "reunidos na capa, os mentores da Tropicália juntam pão e circo da nova tese sob os arranjos polimorfos de Rogério Duprat. Da dramaticidade de Vicente Celestino (Coração materno), reverenciada por Caetano, ao híbrido pop Baby, que endossa o rock-balada Diana, de Paul Anka, de 1957. Na salada semiótica do enredo, o concretista Batmacumba convive com o enumerativo Geleia geral, baseado no conceito de 'medula e osso' de Décio Pignatari. Gil e Torquato fundem bemba-meu-boi e iê-iê-iê. Brecht junta-se ao cordel em Mamãe, coragem de Caetano e Torquato, na voz de Gal Costa. O bolerão Lindonéia (Caetano e Gil) alista na Tropicália a ex-musa da bossa, Nara Leão".
A dicotomia musico-ideológica defendida pelos tropicalistas, expressa sobretudo na letra de "Alegria, alegria", música considerada marco zero da Tropicália - composta em 1967 por Caetano Veloso -, fazia referência à cultura pop e falava de um hippie que só queria "seguir vivendo, amor/ sem livros e sem fuzil".
A canção expõe a ambiguidade do movimento, ao causar mal-estar tanto entre o governo quanto os teóricos do nacional popular. A letra sintetiza o questionamento do movimento pela esquerda - que se encontrava dividida entre a turma do desbunde e a ala que defendia a luta armada.
O coletivo tropicalista se enquadrou na primeira opção, uma vez que fazia apologia a elementos da contracultura, do rock e da cultura de massa, que representavam o país que financiava as ditaduras na América Latina, na época da guerra fria.
Diário do Nordeste

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