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Passeio pela memória de Viçosa do Ceará

Como as demais cidades da Serra da Ibiapaba, Viçosa do Ceará é um lugar que precisa ser redescoberto pelos cearenses. E mais do que qualquer outra da região, é aquela em que o turismo, mesmo de aventura, começa a pé, caminhando pela cidade histórica que fica 348 km distante de Fortaleza.
Um dos apelos de qualquer arquitetura duradoura é ser resistência frente a toda e qualquer nova modernidade. Por isso, mesmo que as casas ao largo da Igreja de Nossa Senhora da Assunção tenham suas parabólicas fincadas no teto, a conexão de suas fachadas é com o tempo mais antigo, secular. A cidade ainda mantém o traçado inicial da aldeia jesuítica da Ibiapaba, fundada em 1700.
Tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a igreja, por sua vez, tem seu interior construído com elementos de ao menos três séculos, a começar por seu altar-mor, dos anos 1600.
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O altar-mor da Igreja matriz de Nossa Senhora de Assunção é original do século XVII. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e um dos principais lugares de visitação 

A praça central desemboca no fronte da Igreja Matriz e permite acesso às ruas. Antigamente era um traçado que dava direto para as residências dos jesuítas. Foi além: contém o traçado inicial da Vila de Viçosa Real d'América, criada em 1759.
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Cravada no meio da Serra da Ibiapaba, Viçosa do Ceará oferece todo tipo de beleza em seu traçado. Ao redor da cidade, é possível conferir a paisagem que lembra tanto o sertão quanto a mata atlântica

Ainda que as construções de alvenaria não lembrem nem um pouco as frágeis cabanas dos índios (bastante diferentes de outros aldeamentos nas américas, que tinham construções de pedras), o traçado urbanístico de Viçosa mantém a lembrança da presença indígena- sobretudo Tabajara e Anacé, na medida em que relembra a presença dos missionários. Essa lembrança já foi maior, quanto menor era a interferência das gerações seguintes.
E o botânico Francisco Freire Alemão, que foi chefe da primeira e única expedição imperial de cientistas brasileiros, ressaltou essas mudanças na cidade fincada no meio da Serra da Ibiapaba. Em seu "Diário de Viagem", de 1861, apontou: "as gerações que têm passado por cima deste felicíssimo torrão, ignorante, perverso, não têm deixado rastro de sua existência senão pela destruição das belas matas que revestiam a serra, lhe davam frescor, vigor e águas perenes".
Orgulho e memória
A parte boa, do que se pode ver escrito hoje em dia, é que esse traçado urbanístico tão assolado pelo tempo é hoje primor de orgulho dos munícipes. Sendo um patrimônio material de toda a Ibiapaba, será sempre lembrada em nome dos que lá pisaram e nasceram. Berço do jurista Clóvis Beviláqua (vale uma visita ao Memorial), também é casa de Alfredo Miranda ("do Pife") e Tereza Mapurunga, da Casa dos Licores (e doces, cachaças, geleias e a famosa pêta). Hoje o lugar e a memória são preservados pelos filhos do casal.
Dá para sentar sem tempo certo num dos bancos da praça central. Depois que passa um e outro carro, ficam as casas com suas portas e janelas coloniais como se fossem portais de acesso a um tempo distante naquele mesmo lugar. E fica um certo silêncio rural em plena zona urbana, que pode ser admirada do alto da Igreja do Céu, ponto mais alto da cidade e com 900 m de altitude - não se assuste com os mais de 300 degraus, a beleza da chegada vence o cansaço do caminho.
Depois do passeio a pé, vale parar e admirar o que já nasceu ali: os arredores de uma natureza meio sertão meio mata atlântica. E tudo o que pode ser visto, junto à cidade, do alto da Pedra do Machado, na encosta da serra, que se faz trampolim do horizonte.
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Igreja do Céu é o ponto mais alto da cidade, estando 900 metros acima do nível do mar. Após a subida por seus mais de 300 degraus, é possível avistar parte da região da Serra da Ibiapaba

Diário do Nordeste

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