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Poesia visual do cotidiano

Tatiana FortesStênio Diniz foi menino criado entre papéis. Na tipografia do avô, em Juazeiro do Norte, aprendeu, aos cinco anos, a aparar as arestas das máquinas e a dobrar cordéis. O cheiro de tinta foi responsável pela embriaguez que move o artista até hoje. Ele é um dos mestres da cultura mais respeitados do Cariri. A arte de Stênio é múltipla. Conhecido pelo trabalho com xilogravura, ele experimenta outros olhares: o trabalho em guache e óleo, a produção têxtil, a confecção de livros para colorir, as delicadas estátuas de madeira.
Quando alfabetizado, aos sete anos, o menino-mestre foi ensinado a fazer composições e aprendeu a imprimir. Ele lembra com carinho da primeira gravura que produziu. Era 1970. O ano nunca sairia da memória de Stênio - ele viu a seleção derrotando o México na final da Copa do Mundo e tomou um golpe com a morte de seu pai. “Ficou marcado. Foi quando fiz a minha primeira capa de cordel. Me empolguei e não consigo parar. Vivo da arte até hoje”, explica.
Stênio tem seus rituais na casa travestida de estúdio. Acorda cedo para satisfazer seus dois primeiros vícios: café e telejornal. Depois, é sentar na escrivaninha e começar o trabalho. Por volta de meio-dia, quando o sol do Cariri se transforma em brasa, é hora de parar para o almoço seguido de um copo de vinho. Stênio passeia entre uma obra e outra, todos os dias. Do alfabeto ilustrado para crianças ao livro de mandalas, da criação de estampas para tecidos ao trabalho com a madeira. “Antigamente, quando comecei a fazer gravuras, queria ver o resultado rápido e media no relógio o tempo de terminar. Mas, com o passar do tempo, fui demorando mais e tendo mais paciência. A ponto de passar três anos na mesma matriz (original da xilogravura)”, conta.
A vida de artista, ele diz, deu oportunidades e prazeres nunca sonhados pelo menino criado na tipografia. Desde 1985, Mestre Stênio se desdobra entre a produção no Cariri e viagens à Europa. A primeira ida aconteceu através de convite da Universidade de Colônia, na Alemanha. A estadia de um trimestre se transformou em vinte meses - com passagens por Portugal e França. “Passei tempos de drama dormindo debaixo de ponte, de escadarias”, lembra entre risadas, como se o tempo vivido sem teto fosse um alumbramento.
Tatiana Fortes
Tatiana Fortes
“Meu Deus do Céu, como eu amo o Cariri. Mas, para o trabalho com arte, é lá. Lá que tem resposta, que você é tratado como artista, na Europa é outra história”, garante Mestre Stênio. Ele contabiliza cem exposições - individuais e coletivas - feitas em vários países do Velho Mundo. A próxima está prevista para março de 2018 na Embaixada Brasileira em Berlim, onde também deve ministrar palestras e oficinas.
Quando indagado sobre como consegue se comunicar no idioma alemão, a resposta é uma risada: “toda vez que encerro uma oficina me faço essa pergunta”. A cada viagem, ele aprende um pouco mais. Junta palavras esparsas, observa as conversas alheias para aprender verbetes e já foi detido pela polícia após errar a conjugação de um verbo. “Quando eu mostro meu currículo, as pessoas não entendem como eu já piniquei a Alemanha todinha”, diz.
PERFIL
José Stênio Diniz, 64 anos, é mestre da cultura desde 2008. Começou a carreira na Tipografia São Francisco, empresa que deu origem à Lira Nordestina, editora especializada em produzir cordéis. Aos cinco anos já recolhia arestas de papel e dobrava cordéis. Quando jovem, Stênio sofreu influências de artistas como Mestre Noza e Walderêdo Gonçalves. Já viajou para a Europa treze vezes, realizando exposições coletivas e individuais em vários países.
A Alemanha é seu “país favorito no estrangeiro”.
ENTENDA A SÉRIE
O Vida & Arte publica, ao longo dessa semana, uma série sobre os Mestres da Cultura residentes no Cariri. A Região tem o maior número de Tesouros Vivos do Estado: são 40, incluindo 13 já falecidos e 5 grupos. Os mestres são diplomados pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult) em virtude do seu trabalho dedicado a manter, desenvolver e propagar as tradições culturais cearenses. Amanhã, será contada a história da Mestra Zulene (danças populares).
ISABEL COSTA

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