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Templos da memória: preservação dos arquivos eclesiásticos

por Iracema Sales - Repórter
O escritor Pedro Luiz Cândido de Oliveira viveu a experiência de recorrer a arquivos eclesiásticos na pesquisa para o livro "Sesmarias do tempo - De Portugal ao sertão do Brasil, notícias aventurosas de quatro homens entre os séculos XVIII e XIX". "Na verdade, quando mais se viaja no tempo, menos opções de fontes de pesquisa se tem", assegura o autor, acrescentando que os arquivos públicos são equipamentos mais recentes. Se a pesquisa contemplar os períodos colonial e imperial, os documentos religiosos passam a constituir fontes fundamentais. Ajudando a jogar luz sobre temas importantes, como a escravidão.
Para aqueles pesquisadores que enveredam por períodos históricos distantes só restam mesmo recorrer à Igreja. "Todo corpus documental era colhido e preservado pela Igreja Católica. Quem nasceu, morreu e casou. Não se limitava apenas aos sacramentos. Até casos de herança foram registrados e causas de mortes, documentadas", acrescenta o escritor.
Na parte da genealogia, motivo de sua investigação, Pedro Luiz afirma que ajudam a tirar dúvidas. A descrição minuciosa familiar da pessoa registrada servia de pista para encontrar seus antepassados. A pessoa que estava sendo registrada não ganhava apenas o nome, bem como a identificação não se limitava apenas aos pais. As informações contemplavam os demais familiares. E, graças a esses detalhes, o autor conseguiu completar a sua árvore genealógica e terminar sua obra. "Foi assim que cheguei aos meus antepassados", reitera.
Abrangência
O trabalho realizado pela Igreja não se restringia apenas às classes abastadas, sendo estendido a toda sociedade. Pesquisas mostram a relação da Igreja com a escravidão mediante esses documentos. "Só consegui preencher alguns hiatos de tempo devido à Igreja", reconhece o pesquisador-escritor, que precisava de informações contidas em documentos eclesiásticos dos arquivos dos municípios de Lavras da Mangabeira, Icó e Iguatu. As dioceses de Crato e Juazeiro concentram grande parte desses documentos. "Alguns estão no Arquivo Público, mas em nada se compara aos arquivos da Igreja, que são únicos", elogia.
Sua pesquisa contou com o apoio do professor George Ney, que há 20 anos vasculha os arquivos eclesiásticos de dioceses cearenses. Ele identifica dois tipos de fontes para pesquisas: a Igreja e as câmaras municipais, cujos acervos estão nos arquivos públicos. Chama a atenção para a situação desses documentos idêntica à precariedade do Arquivo Público do Ceará.
George Ney destaca o trabalho realizado pelo padre Roserlândio de Souza junto à diocese de Iguatu, uma das mais antigas do Ceará, criada há cerca de 300 anos. Revela que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) trouxe o material para Fortaleza com a finalidade de realizar trabalho de restauro, mas "muitos documentos foram roubados e levados para fora do Brasil".
O padre Roserlândio de Souza define que "documentos eclesiásticos são, especificamente, os que dizem respeito à organização e presença eclesial em determinadas regiões". "Particularmente, os registros sacramentais: livros de batismo, casamentos, crismas, óbitos, estes, no caso do Brasil, cobrem um pouco mais do que o período inicial da República", explica. Abrangem ainda as correspondências do clero, religiosas/os, livros de tombo, nos quais são registrados os eventos e transcritos outros documentos eclesiásticos - portarias, decretos, livros-caixa, entre outros.
Trajetória
As principais responsáveis pela preservação desses arquivos são as dioceses, porém, há necessidade do apoio e parceria de outras instituições, como universidades, centros de pesquisa e o poder público.
O religioso fala com propriedade sobre o tema, que acompanha há mais de duas décadas. Padre Roserlândio é um dos responsáveis pela organização dos arquivos da diocese do Crato, criada em 1914. Padre Roserlândio esclarece que durante boa parte do tempo, não havia um espaço específico para a guarda e manuseio dos documentos. No caso particular da Diocese de Crato, foi criado por dom Newton Holanda Gurgel, (4º bispo já falecido) e depois instalado por dom Fernando Panico, bispo emérito, o Departamento Histórico Diocesano Pe. Antonio Gomes de Araújo (DHDPG). "Desde 1999, portanto, há um cuidado maior para a guarda e a disponibilidade do acervo local para pesquisadores", garante, completando que o atual bispo diocesano, dom Gilberto Pastana de Oliveira, apoia incondicionalmente as ações.
O processo é permanente e envolve diversas etapas, como por exemplo: acondicionamento, catalogação, digitalização. O convênio firmando entre algumas dioceses cearenses e a Sociedade Genealógica de Utah possibilitou a digitalização e, agora, disponibilização na internet de boa parte dos livros de registros sacramentais até 1950.
Assim, estão sob a guarda do DHDPG correspondências do clero e de outras pessoas desde o século XVIII, livros para registro dos sacramentos celebrados naquela época. Entre os temas que podem ser aprofundados a partir da leitura desses documentos, especialmente das cartas, estão: as diversas secas (1877-1879; 1888-1889), as epidemias de colera morbus e bexiga, a organização das Casas de Caridade pelo Pe. Antonio José Maria Ibiapina, história da educação nesta região, escravidão, genealogia, missões e organização pastoral (freguesias e paróquias) e política, Padre Cícero e os fatos de Juazeiro. Em Iguatu, por iniciativa de dom João José da Costa, que continuou com dom Edson de Castor Homem, o acervo está sendo recatalogado e digitalizado.

Diário do Nordeste

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