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Arte e história na coleção Fundação Edson Queiroz

A tela "Vista da Baía de Guanabara desde a Serra dos Órgãos" (1846), de Johann Moritz Rugendas
A história de uma sociedade pode ser contada sob diferentes perspectivas - política, científica, alimentar, espiritual. Entre elas, a das artes certamente ocupa lugar de destaque, como manifestação rica e das mais potentes de nossa própria humanidade. Da música à literatura, passando pela dança e as artes visuais, nossa experiência enquanto grupos sociais ganha uma das mais vigorosas traduções possíveis.
É por meio dessa última linguagem - a das artes visuais - que parte da história brasileira ganha uma narrativa emocionante na exposição "Da Terra Brasilis à Aldeia Global - Fundação Coleção Edson Queiroz". Como o próprio nome sinaliza, ela traz um recorte do acervo da Fundação, cujas obras já inspiraram mostras, não apenas no Ceará, mas em outros estados e mesmo outros países. Sob curadoria de Denise Mattar, a exposição integra as ações de comemoração dos 45 anos da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Dessa vez, a seleção foi de 280 trabalhos, que cobre um arco temporal do século XVI ao século XXI, iniciado com o livro "America Tertia Pars", do belga Theodore de Bry, publicado na Europa em 1592, e finalizado com obras contemporâneas.
Sim, essa é outra novidade bem-vinda em "Da Terra Brasilis à Aldeia Global": em todo o percurso, o acervo visual da Fundação está integrado ao bibliográfico, a partir da inclusão de livros referenciais oriundos da Biblioteca de Acervos Especiais da Unifor, que dialogam com os recortes estético-cronológicos propostos.
"A ideia de juntar os livros eu tive quando conheci os Acervos Especiais. Propus incluir livros dessa biblioteca e, felizmente, a recepção da instituição foi muito calorosa", ressaltou Denise Mattar, em entrevista recente ao Caderno 3.
A mostra é dividida em nove módulos, que contemplam todos os movimentos da arte brasileira e seus principais artistas - tanto nacionais quanto estrangeiros que aqui produziram. Assim, nomes primordiais como Frans Post - holandês que integrou a comitiva de Conde de Nassau ao Nordeste do Basil no século XVII e produziu uma importante coleção de pinturas que registravam a topografia, a arquitetura, cenas de batalhas e, posteriormente, a exuberância da fauna e da flora - dialogam com artistas contemporâneos do quilate de Vik Muniz e Adriana Varejão, passando pelos fundamentais modernos do século XX, a exemplo de Anita Malfatti, Volpi e Tarsila do Amaral, entre outros movimentos e protagonistas.
Textos acompanham o visitante em todo o espaço expositivo, com informações sobre o contexto social, político, cultural e artístico em que as obras foram produzidas.
"No abstracionismo, por exemplo, faço a relação com o pós-guerra. Ele é uma herança dessa época. No caso da pop art, faço uma relação com a ditadura brasileira. Por conta do contexto, ela é bem politizada. Quando entramos na Geração 80, falo da abertura política", comentou Mattar na mesma entrevista.
Determinados períodos exigiram divisões internas e, em alguns casos, artistas como Di Cavalcanti e Portinari foram destacados em salas individuais.
Diálogos
Nessa seleção, como não poderia deixar de ser, artistas cearenses têm lugar de destaque garantido, justificando parte do nome da exposição. Linha orientadora do processo curatorial, a ideia de "aldeia global" faz referência ao desafio de compreender suas origens e manter a identidade sem perder de vista a perspectiva da universalidade - enfrentado por inúmeros artistas ao longo da história.
Nesse sentido, insere-se também a preocupação de contornar a narrativa clichê dos "centros" e das "periferias", ao mostrar que nem só das grandes capitais (no Brasil, em especial Rio de Janeiro e São Paulo) se constrói a história da arte.
Leonilson, Vicente Leite, Raimundo Cela, Estrigas, Barrica, Francisco de Almeida, Siegbert Franklin, Heloísa Juaçaba entre outros, são nomes que fazem jus à potência artística do Ceará.
Vale destacar pontes insuspeitas construídas pela curadoria, a exemplo daquela entre os painéis do teto da Igreja Matriz de Aquiraz - que aparecem em vídeo assinado pelo professor Glauber Filho, do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor - e as obras do módulo barroco.
"A excepcionalidade da coleção da Fundação Edson Queiroz permite contar essa história, quase sem lacunas, pois seu acervo excede em qualidade e quantidade a de muitos museus do eixo Rio-São Paulo, acentuando sua importância dentro da discussão proposta", pontua Mattar.
Não por acaso, "Da Terra Brasilis à Aldeia Global" será uma exposição de longa duração: a decisão permite não somente atender ao maior número possível de pessoas - potencializando o objetivo de democratizar o acesso à arte - mas possibilita uma fruição detalhada e atenta, com mais de uma visita, se assim o espectador julgar necessário.
Módulos
Terra Brasilis (1500-1637)
A matriz barroca (séc. XVII-XVIII)
Reais mudanças (1808-1821)
Uma Academia nos trópicos (1826-1922)
Modernidade (1917-1950)
A Força da Abstração (final dos anos 1940 até a atualidade)
Tempos difíceis (1960-1970)
Chuvas de verão (1980-1990)
A Aldeia Global (de 1990 até a atualidade)
Mais informações:
Exposição "Da Terra Brasilis à Aldeia Global - Coleção Fundação Edson Queiroz", no Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz). De 20 de março de 2018 a 24 de março de 2019. Visitação de terça a sexta, das 9h às 19h; sábado e domingo, das 10h às 18h. Gratuito. Contato: (85) 3477.3319
Diário do Nordeste

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