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Após adiar Nobel de Literatura, Academia Sueca tenta restaurar reputação

Andrei Netto, O Estado de S. Paulo
05 Maio 2018 | 06h00
Após adiar Nobel de Literatura, Academia Sueca tenta restaurar reputação
A Academia Sueca em 2016, antes do anúncio do vencedor: premiado de 2018 será revelado ano que vem Foto: Jonathan Nackstrand/AFP
PARIS - Abalada por um escândalo sexual, a Academia Sueca, que organiza há mais de 100 anos o Prêmio Nobel de Literatura, anunciou ontem, 4, em Estocolmo, que não vai atribuir a distinção em 2018 – algo inédito desde 1943. A crise foi causada por um escândalo de assédio sexual envolvendo o cônjuge de uma integrante do júri, o que levou ao desmantelamento de parte da equipe julgadora e à vacância dos postos de sete de seus 18 experts. 
A turbulência na Academia teve início em novembro passado, em meio à onda de denúncias de agressões sexuais nos Estados Unidos e na Europa, a #MeToo. Então uma reportagem do jornal sueco Dagens Nyheter trouxe à tona depoimentos de 18 mulheres da sociedade sueca que relatavam casos de assédio ou de violência sexual – incluindo estupros – cometidos por um agente cultural, o francês Jean-Claude Arnault.
Diretor do Centro Cultural Forum, uma instituição reputada pela intelectualidade sueca – agora fechada –, Arnault é casado com Katarina Frostenson, acadêmica e jurada do Nobel de Literatura e uma dos sete membros que pediram afastamento de suas atividades após o escândalo. Uma investigação foi aberta pelo Ministério Público Criminal de Estocolmo em março, mas o caso acabou sendo arquivado por prescrição dos crimes relatados pelas testemunhas, que datavam de 2013 e 2015.
O problema é que Arnault era uma personalidade da sociedade sueca, laureado com a medalha da Ordem Real da Estrela Polar, a maior distinção concedida pela monarquia a um estrangeiro. E o Forum recebia subsídios e se beneficiava da proximidade com a Academia Sueca, que teria gerenciado mal o caso. Tudo somado abalou a credibilidade dos “imortais” e da instituição criada em 1786 frente à opinião pública do país. 
Desde março, especulava-se sobre a possibilidade de adiamento do Prêmio Nobel de Literatura de 2018, e a decisão acabou sendo anunciada ontem, 4, pelo secretário interino da Academia, Anders Olsson
“O Prêmio Nobel de 2018 de Literatura será designado e anunciado ao mesmo tempo que o laureado de 2019”, informou a instituição em um comunicado. Segundo Olsson, os membros estão “plenamente conscientes do fato de que a crise de confiança atual os obriga a trabalhar em uma reforma longa e enérgica” da instituição. 
“Nós julgamos indispensável tomar o tempo de restaurar a confiança antes da designação do próximo laureado, por respeito tanto pelos laureados passados, quanto pelos futuros”, completou.
O adiamento acontecerá porque dos 18 membros eleitos como “imortais” pela Academia Sueca, sete solicitaram afastamento, deixando seus assentos vagos. Com 11 membros “ativos”, a instituição está abaixo do quórum mínimo de 12 julgadores, segundo o estatuto da instituição. Uma das alternativas vislumbradas é a reforma do regulamento, mas essa iniciativa precisa passar pelo rei da Suécia, Carlos XVI Gustavo. O monarca estaria disposto a realizar o procedimento, mas o tempo para tanto não seria suficiente antes do julgamento do laureado de 2018.
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Essa será a primeira vez em quase 70 anos que o adiamento acontece. Os cancelamentos anteriores no século 20 remetem aos tempos de guerra: entre 1914 e 1918, em 1935 e entre 1940 e 1943.
Repercussão
"Esta decisão mostra que a Academia agora pretende se concentrar em restaurar sua reputação” 
Carlos XVI Gustavo, rei da Suécia
“A resposta da Academia Sueca é extremamente radical, mas vem demonstrando uma tendência importante desses últimos anos, que é a de não subordinar a perspectiva ética a outras questões que a relativizem. Hoje, cada vez mais, se trava uma luta ferrenha, sem descanso contra qualquer tipo de abuso. E isso tem se colocado de forma muito determinada”
Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL)
“Uma decisão necessária, principalmente em relação à legitimidade do prêmio” 
Peter Englund, escritor sueco
Estadão

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