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MISTÉRIOS DE NESTOR

Carlos Delano Rebouças*


Tudo parecia normal para uma manhã de domingo na vida de Nestor, um homem de meia idade, de poucas palavras e de muito a se descobrir de seu passado que vivia escondido na leitura de seus livros no banco da praça principal da cidade.


Entre um folheio e outro de tantos livros que lia, apenas gesticulava positivamente diante de todas as saudações que recebia dos moradores daquela modesta cidade, os quais o viam naquele mesmo lugar há anos. Até parecia que não falava ou que apenas preferia ser ouvinte em um mundo falante, talvez, de algo que o incomodava, ou mesmo, do que descordava, levando-o ao mundo silencioso da leitura, em viagens que o proporcionam novas descobertas, o encontrou ou reencontro com o que lhe faz bem.

Mas em uma dessas manhãs dominicais daquela praça de leitura, Nestor deu a impressão de que faria um dia diferente, quando no banco de sempre se sentou sem ocupar a totalidade dos espaços ao seu lado com livros e livros que sempre trazia para o deleite da leitura. Até parecia que deixava espaços para a aproximação de alguém com quem gostaria de conversar. E assim aconteceu. Em meio a tantos cumprimentos de bom-dia recebido, um deles foi mais adiante, o do Sr. Orestes, um velho amigo de todos do bairro, homem septuagenário de bom coração, conselheiro, humilde e de pouca leitura, porém de muita sabedoria, quem sabe, o suficiente para descobrir o que na verdade se esconde por trás de toda introspecção de Nestor.

A princípio, o velho conselheiro nada teve de resposta das breves perguntas feitas àquele homem que direcionava o olhar apenas ao livro em suas mãos. Insistentes, ambos, não desistiam de seus objetivos: de um lado, Sr. Orestes, que buscava pelo menos ouvir sua voz; do outro, Nestor, que ao seu silêncio recorria para limitar aquele interrogatório que já o incomodava. Como estratégia de um homem sábio como era, 

Sr. Orestes lhe perguntou sobre a leitura que fazia, de que se tratava. De repente, Nestor desvia a sua atenção, que sempre pareceu fiel a sua leitura, volta-se para aquele velho homem como se a ele devesse uma resposta, e no seu silêncio que lhe era peculiar diz:

- Leia esse livro, ele fala de muita coisa que é só nossa.
Sr. Orestes, assustado, perguntou:
- Diga, homem, mate-me a curiosidade de saber quem você é!

Nestor, sem responder àquele velho homem, porta-voz de uma cidade que observava de longe aquela longa conversa, levantou-se daquele banco da praça, saiu devagar, no mesmo silêncio de anos vividos naquela cidade, e foi embora sem deixar pistas para ninguém, apenas o livro deixado nas mãos de alguém que tentou descobrir a sua verdade.
Sr. Orestes, sem saber do que tratava aquele livro, cabisbaixo dirigiu-se para a sua casa, diante dos olhares penosos e curiosos dos demais amigos da cidade. Anos se passaram sem que o sábio Orestes fizesse pelo menos a leitura da contracapa daquele livro, pois para ler ele tinha imensas dificuldades. Porém, depois de algum tempo, buscou ajuda de ou velho amigo, para quem pediu que lesse alguma coisa que estava escrito. E para a sua surpresa, havia uma dedicatória:

“ Para todos os amigos dessa cidade que souberam me acolher nessa cidade; para todos que respeitaram a mim com o meu silêncio; ao meu pai, a quem presenteio com esse primeiro exemplar do livro que conta a história de minha vida, de um garoto que descobriu ser filho de um grande homem, que não sabia que tinha um filho em algum canto desse mundo.”

Sr. Orestes sequer imaginava que de sua juventude de tantas aventuras, como caixeiro viajante pelo interior do Brasil, havia deixado uma semente, o único que sabia da existência, pois sempre foi um homem sozinho, que definia o povo daquela pequena cidade como sua família. O velho e sábio homem passou a sentar-se todos os domingos naquele mesmo banco da praça, com aquele livro que recebera de presente, acreditando no retorno do filho. Quanto ao livro, tinha uma bela história para contar, a de um garoto que sonhava em conhecer o pai que não sabia de sua existência, que desejava viver ao seu lado até seus últimos dias.

*Professor de Língua Portuguesa e redação, conteudista, palestrante e facilitador de cursos e treinamentos, especialista em educação inclusiva e revisor de textos.

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