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Livro fala sobre a disputa de facções criminosas no País


Fosse uma empresa, o PCC representaria para o mundo do crime o que a Apple é para o da tecnologia: inovação e ruptura. Se não chega a traçar esse paralelo, o livro A guerra (Todavia), dos pesquisadores Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, passa bem perto.
Ao revelar como a facção paulista partiu do caos das disputas territoriais para a consolidação como uma força expansionista no comércio da droga no Brasil, a obra sugere que o PCC implantou uma revolução ideológica e comercial no mundo do crime.
Relato da conversão do Primeiro Comando da Capital no maior grupo criminoso do País, o livro recém-lançado revela como a facção impôs, a custo de chacinas e barbárie, essa nova ordem aos negócios da droga em território nacional.
Ampla pesquisa conduzida pelos dois autores, a obra também analisa o crescimento vertiginoso da rede de telefonia móvel como componente crucial para a fixação das bases do que depois se tornaria o PCC.
“Nesse movimento”, escrevem Manso e Camila, “as prisões se tornaram um espaço de articulação dos profissionais do tráfico, a partir de uma rede que nunca esteve tão interconectada”.
Diferentemente do CV, cujos integrantes se dedicavam ao varejo da cocaína e da maconha, até então sem qualquer vínculo com os presídios e destituído de laços de irmandade, a facção paulista nasceu como um “sindicato-empresa” ao mesmo tempo.
De acordo com os pesquisadores, a facção “trazia um discurso inovador. Os paulistas diziam que seus crimes eram praticados em nome dos oprimidos pelo sistema”. Assim, registram, o grupo “passaria a se organizar em torno de uma ideologia”.
Esse era o componente ideológico que distinguia o PCC do CV: o elemento ideológico, presente sobretudo na organização da massa carcerária contra “o sistema”. Mas a facção também abriu duas frentes de combate vitais: a comercial, com forte expansão no território nacional, e a de comunicação, ao fazer largo uso da tecnologia móvel para a articulação das “células” ou “sintonias”.
Nesse novo cenário, a própria facção assume ares empresariais, ganhando sofisticadas ramificações para atender as novas demandas. Na sua arquitetura organizacional, como mostrou denúncia recente do Ministério Público paulista assinada pelo procurador Lincoln Gakiya, o PCC simula um Estado paralelo, com seus braços jurídico, fiscal, disciplinar, assistencial, comercial e de execução.
Obedecendo à máxima de que “o crime fortalece o crime”, lema do “partido”, o PCC subdividiu tarefas e descentralizou instâncias decisórias. Como um ente privado, diversificou a carteira, incluindo, além da maconha e a pasta-base da cocaína, produtos como o cigarro.
A guerra revela ainda que, em 2016, embora a disputa com o CV ainda não houvesse atingido o seu auge, o grupo rival era um empecilho a essa estratégia de nacionalização do PCC.
Reagindo às investidas dos paulistas, os membros do CV costuraram então uma rede de alianças. Nessa espécie de corrida armamentista, cada facção escolheu um lado, irmanando-se. Assim nasceram os polos que uniam CV e a amazonense Família do Norte (FDN), além da potiguar Sindicato do Crime. E, do outro lado, o PCC.
Para se expandir, os paulistas afrouxaram as regras, relatam os autores do livro, reduzindo a taxa de adesão ou “batismo”, que passou de R$ 1 mil cobrada em São Paulo para R$ 400, de maneira a se adequar à realidade dos estados. No Ceará, por exemplo, o pagamento da “cebola”, nome pelo qual os criminosos se referem à tarifa, foi suspenso na esteira da guerra contra o CV – a chacina das Cajazeiras, com 14 mortos, é resultado direto desse confronto.
Escrito a quatro mãos, A guerra colhe depoimentos de presos nas cadeias e penitenciárias brasileiras. As narrativas, associadas à pesquisa e análise, fornecem um painel completo não apenas da ascensão do PCC como força preponderante no xadrez das facções, mas também como as autoridades brasileiras foram permanentemente coniventes com a degradação da segurança pública.
Estante
A Guerra - a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil
Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias
Editora Todavia
Preço: R$ 54,90
Irmãos - uma história do PCC
Gabriel Feltran
Cia das Letras
Preço: R$ 49,90

O Povo

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