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A MEDICINA VIOLENTADA O SER HUMANO


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O ser humano perde, a cada dia, seu senso de dignidade, de respeito próprio e aos outros.
Aos médicos já não se atribuem honorários (vem de honor = honra...).
Aos médicos já não se atribuem honorários (vem de honor = honra...).

Por Evaldo D´Assumpção*

1946, ano em que terminou a segunda grande guerra, deixando milhares de soldados e civis mutilados pela brutalidade das armas destrutivas e mortíferas.

Meu pai, primeiro médico natural de Carmo da Mata, no interior de Minas, formado em 1933 na capital mineira, exercia com amor e dignidade a profissão hipocrática em Campo Belo, cidade vizinha de sua terra natal, salvando vidas, aliviando sofrimentos, curando doenças.

Sentindo imperiosa necessidade de aprimorar seus conhecimentos para melhor cuidar dos pacientes, empreendeu hercúleo esforço para passar um ano nos Estados Unidos, para estágio em seus centros médicos avançados. Levou com ele sua esposa e eu, filho único com 8 anos de idade. Lá, na respeitada Clinica Mayo, em Rochester, tive a oportunidade de conhecer, numa exposição de fotos, a cirurgia plástica reparadora que fazia verdadeiros milagres restaurando faces, mãos e corpos dilacerados pelos irracionais artefatos de guerra utilizados pela ganância de conquistar e subjugar povos e países. Apaixonei-me por aquele trabalho, e em minha infantil inocência, tomei a irrevogável decisão de dedicar-me à cirurgia plástica, então incipiente.

Hoje, depois de meio século dedicado intensamente a essa atividade, desfruto de merecida aposentadoria na bucólica praia dos Castelhanos, no estado do Espírito Santo. E, para não perder o contato com o mundo – cada vez mais desvairado e bem próximo dos horrores das duas grandes guerras mundiais – tenho como hábito ler, todas as manhãs, um dos jornais locais. E nesta prática, deparei-me hoje com enorme manchete dando conta de um médico de 65 anos de idade, condenado e preso por abuso sexual de uma criança de 12 anos, em seu consultório.

Asco, revolta e desprezo foi o que senti diante desta notícia. Nenhuma surpresa, pois não é o primeiro caso. Nem, infelizmente, será o último desta natureza. O ser humano perde, a cada dia, seu senso de dignidade, de respeito próprio e aos outros, tornando-se algo que nem sei como definir. Não posso chamá-lo de besta, fera, animal, pois isso seria um total desrespeito às demais criaturas da natureza, que certamente se comportam melhor, muito melhor, do que aquela que deveria ser a melhor de todas as criaturas: o humano.

Viro a página, e deparo-me com duas páginas inteiras dedicadas à cirurgia plástica. Não aquela que me fascinou aos 8 anos de idade, aquela que exerci por cinquenta anos com zelo, ética, e legítimo orgulho de estar resgatando pessoas deformadas, congênita ou traumaticamente, para o convívio social. Hoje, essa parte fundamental da especialidade é exercida por poucos, muito poucos e abnegados profissionais diplomados em faculdades de medicina. O grande filão, a mina de ouro, o charme, o glamour da cirurgia plástica, é a denominada cirurgia estética. São as sucursais de salão de beleza instaladas em consultórios médicos (?) sofisticados, requintados em sua decoração, e completadas nas salas de cirurgia com todos os rapapés necessários para atrair fregueses – pois é nisso que os antigos clientes e pacientes se tornaram. Aos médicos já não se atribuem honorários (vem de honor = honra...), mas paga-se o preço devidamente negociado como mercadoria qualquer.

E abrindo essas duas páginas, a manchete em letras garrafais alardeia que “implantes de silicone já podem ser adquiridos em até 96 prestações mensais”. Ou seja: pode-se conquistar um par de mamas voluptuosas, por vezes até desproporcionais e ridículas, pagando-se mensalmente por elas, durante oito anos! Tive de ler duas ou três vezes para perceber que não estava tendo um pesadelo, mas constatando um absurdo real.

Mais à frente, diversos especialistas opinam a respeito, com frases bem típicas de vendedores de carros em concessionárias, mostrando as vantagens dos veículos e como eles serão motivo de sucesso e alegria para seus felizes compradores. Saúde colocada como objeto, no rasteiro nível de compra e venda. E outra manchete apregoa: “caravanas de pacientes vêm de outros estados” para se beneficiarem de tais procedimentos.

Constato que também a medicina tornou-se vítima de brutal e coletivo estupro!

* Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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