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Mary del Priore, em debate na Feira do Livro de Porto Alegre: "Existe mobilidade na sociedade brasileira desde o final do século 18"

Mary del Priore: "Existe mobilidade na sociedade brasileira desde o final do século 18" Félix Zucco/Agencia RBSO cheiro de uma panela, os objetos escondidos em um baú e as coisas ditas em segredo sobre uma cama também podem marcar a história de um país. É a partir desses detalhes cotidianos que a historiadora Mary del Priore escreveu uma nova coleção de livros para melhor compreender o passado do Brasil. Histórias da gente brasileira é uma série composta por quatro volumes, cujo o primeiro, sobre o período colonial, já está nas livrarias.
Ex-professora da Usp e da Puc-RJ, Mary esteve na Feira do Livro neste domingo para um bate-papo e uma sessão de autógrafos. A autora conversou com ZH sobre o novo trabalho, que questiona mitos como a suposta falta de mobilidade social no Brasil do século 18.
Histórias da gente brasileira é mais uma coleção sobre história do Brasil, porém preocupada em falar do passado incluindo a vida de personagens anônimos, que não costumam figurar em outras publicações. Esse é o diferencial do seu novo trabalho?
Um das novidades da tetralogia é sublinhar a importância dos mulatos na sociedade brasileira. Acho que a maioria das pessoas costuma ler a história do Brasil como uma história de senhores e escravos. O que procuro demonstrar nos quatro volumes da coleção é que existe mobilidade na sociedade brasileira desde o final do século 18. E se tratava de uma mobilidade enorme. Temos personagens fenomenais nesse sentido, como pintores, músicos, jornalistas, barões do café, jornalistas, advogados, médicos... Isso vai até o Nilo Peçanha, que foi nosso presidente da república mulato. Também são livros sobre aquilo que a canção chama de "tantas coisinhas miúdas" (verso de Grito de Alerta, de Gonzaguinha). Abordo como desde o cheiro da panela até o conteúdo do baú e as modificações das casas e dos lazeres são apropriados pelos diferentes grupos da sociedade. Quis dar cara a essa gente e romper com aquela narrativa do ensaio clássico da história brasileira, que já fiz e não queria repetir. A coleção quebra esse modelo e traz o tema da ascensão e da mobilidade social. 
Por que esse tema está sendo abordado agora? Há novas pesquisas que possibilitam entender a influência desses tópicos no passado?
Em primeiro lugar, acho que há um cansaço grande das pessoas em relação às explicações usuais da história do Brasil. Sobretudo o grande público leitor, que é para quem eu escrevo, gosta de uma história que se aproxime do seu dia-a-dia, de ouvir sobre paixões, dramas, nascimentos, mortes, como seus antepassados viviam, de onde vieram suas raízes. Além disso, temos hoje algo perto de 70 pós-graduações de história, todas produzindo muito material. Quem não trabalha batendo no liquidificador o que já foi escrito, vai ao encontro desses trabalhos e percebe muitas coisas interessantes.
A senhora falou da mobilidade social de etnias diferentes. Mas em relação a gênero, há também algum mito que se quebra?
O mito que se quebra é que as mulheres brasileiras, ao contrário do que se pensa, sempre trabalharam. Não é novidade alguma estarem fora de casa, ganhando seu dinheiro, sustentando marido, filhos e pais. A criatividade dessas mulheres no momento em que as cidades se esvaziavam porque os homens eram recrutados a lutar em defesa de algo era enorme. Elas trabalhavam em grupo, tanto podiam ser tintureiras, como doceiras, costureiras, prostitutas... Associavam muitas atividades e também eram grande agricultoras. Tenho um capítulo inteiro sobre mulheres que eram donas de engenho, sobre como elas lidavam com escravos homens e com seus concorrentes, e também como usavam jurisprudência e uma série de processos para se verem livres de seus inimigos. Elas ficam tão empoderadas desde o século 18 que, no início do século 19, existiam ex-escravas tão ricas que pediam para se separar de seus maridos, pois não queriam sustentá-los, já que eles não faziam nada e ainda gastavam o dinheiro delas. Isso tudo precisa ser contado.
Zero Hora

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