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Morre o artista plástico Sérvulo Esmeraldo

Em 1991, foi contemplado com o Troféu Sereia de Ouro, do Sistema Verdes Mares, por sua imponderável contribuição às artes ( FOTO: GENTIL BARREIRA )
Um dos principais expoentes das artes plásticas no Ceará, o escultor, gravador e desenhista Sérvulo Esmeraldo faleceu ontem, aos 87 anos. Ele estava hospitalizado desde o último dia 17 de janeiro e acabou morrendo vítima de falência múltipla de órgãos. O artista estava internado em função de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), do qual tentava se recuperar. O velório acontece hoje, a partir das 8h, no Palácio da Abolição, no Meireles, sede do Governo do Estado.
Do horizonte, nos tempos de criança, pinçou a linha. A Chapada do Araripe, ao poente; a Serra de São Pedro, ao nascente. Da janela do sótão da casa primeira, o sítio Bebida Nova, no Crato, pinçou a luz. Da feira do Juazeiro, aos sábados - burburinho, calor, rabecas -, colheu a xilogravura e os livros de cordel. Dos ciganos, que acampavam à beira do sítio, soube do metal. De Dodora, a companheira alicerce, conheceu o amor. Da vida apreendeu a arte - cujo insumo é, de fato, subjetivo, mas o trato, não. É preciso, exato.
Para Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), as artes deveriam ser consideradas um braço das ciências exatas. A sensibilidade de seus trabalhos esteve sempre atrelada a cálculos, equações e estudos, desde as rodas d'água construídas no sítio cratense às esculturas monumentais como os "Quadrados" (1987), ainda instalado no Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará, a se equilibrar em acuradas fileiras, gestando com o passar das horas a verdadeira obra de arte: as sombras projetadas no chão. Linha e luz.
Caminhos
Na Biblioteca Pública do Crato manteve seu primeiro contato com as artes plásticas, através dos poucos livros sobre o tema. Queria aprender, dizia. "Sabia que o fazer passava pelo aprender a fazer. Parece tão evidente", escreveu em "A Linha e a Luz", derradeiro livro sobre o escultor, sua vida e obra.
Esta ânsia justificaria os caminhos tomados posteriormente. Primeiro, Fortaleza. Iniciou-se profissionalmente no fim da década de 1940, frequentando o ateliê da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), onde conhece Zenon Barreto, Inimá de Paula (1918-1999), Antonio Bandeira (1922-1967) e Aldemir Martins (1922-2006). Nesse período, tem aulas de pintura com Jean-Pierre Chabloz (1910-1984). Em 1951, muda-se para São Paulo, onde participa da montagem da I Bienal de Artes. Reside na capital paulista e atua como ilustrador e crítico de arte no Correio Paulistano, de 1953 a 1957, quando se muda para a França, como bolsista do governo francês.
Em Paris, estuda litografia na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts (Escola Nacional Superior de Belas Artes). Com orientação de Johnny Friedlaender (1912-1992), inicia seu trabalho de gravura em metal. Os primeiros anos na Europa foram dedicados a museus, galerias e exposições. Bebeu do contato com seus pares. Via com frequência Bandeira, Arthur Luiz Piza, Flavio-Shiró e outros artistas da América Latina.
Mesmo estando na França, Sérvulo acreditava ter se inserido nas lutas a favor da liberdade, inflamadas na década de 1960. Participou de intervenções artísticas de cunho político, como a sediada no Pavilhão Internacional da Cidade Universitária, na qual expuseram as torturas ocorridas no Brasil e em outros países sul-americanos. "Era nossa contrarrevolução, pacífica, porém perigosa para eles - os armados contra os desarmados. Tínhamos fé na democracia. Há arma mais poderosa?".
Fortaleza
O retorno ao Brasil ocorre ao final da década de 1970. Faz morada em Fortaleza e se dedica à arte pública. O "Monumento ao Saneamento Básico de Fortaleza" (1977), ainda de pé, é um dos muitos trabalhos do escultor e gravurista espalhados pela capital cearense.
Idealizou, em Fortaleza, a Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, da qual foi curador em 1986 e 1991. No mesmo ano, foi contemplado com o Troféu Sereia de Ouro, do Sistema Verdes Mares, por sua imponderável contribuição às artes.
Nem mesmo o avançar da idade foi suficiente para frear um artista cuja sina sempre fora o movimento.
Recentemente, em 2016, realizou um sonho antigo: voltar a expor no Crato. A mostra "Sérvulo Esmeraldo: a linha, a luz, o Crato" foi aberta 65 anos depois da primeira exposição do artista na terra natal e no mesmo lugar da primeira - hoje Universidade Regional do Cariri (Urca).
Em novembro do ano passado, 80 obras do cearense foram expostas em Basileia, na Suíça, reunidas sob o tema "Os anos europeus de Sérvulo Esmeraldo: 1957-1975". Enquanto isso, um mês depois, em Fortaleza, a escultura "Monumento ao Jangadeiro" voltava ao seu lugar costumeiro, o calçadão da beira-mar, após reforma do espaço e restauração da obra. Em suma: finda a vida do artista, permanecem os trabalhos. Estão em galerias e museus pelo mundo ou mesmo em ruas e prédios da capital cearense, resistindo, a fim de que Sérvulo viva - nunca chegue ao fim da linha, nunca sofra o apagar das luzes.
O QUE ELES PENSAM
Referência nas artes plásticas
"Ao longo de sua trajetória, Sérvulo saiu do Ceará, foi para São Paulo e, em seguida, alçou voos mais altos, indo para a Europa e se tornando um artista de renome internacional, o que é algo extraordinário. Nós só temos a lamentar e lembrar o ciclo da vida. Infelizmente, os bons amigos vão, mas a obra permanece, de uma forma bastante consolidada"
Max Perlingeiro
Diretor da Galeria Multiarte
"O povo brasileiro, em especial o povo cearense, chora a partida desse artista referencial, sabendo, porém, que Sérvulo Esmeraldo permanece vivo em suas obras pela cidade, em seu desejo de aproximação entre arte, arquitetura e experimentação social. Um grande artista integrante da memória das artes do Ceará, do Brasil, do mundo"
Fabiano dos Santos Piúba
Secretário Estadual da Cultura
Diário do Nordeste

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