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Dom Toso: ecologia humana preponderará na próxima Encíclica

Rádio Vaticana


Cidade do Vaticano (RV) - "A humanidade não viverá em paz enquanto a fome não for derrotada, enquanto coexistirem aqueles que se banqueteiam diariamente e aqueles que, à sua porta ou do outro lado do planeta, morrem de fome". É o que defende o documento "Terra e Alimento" do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, publicado recentemente pela Livraria Editora Vaticana (LEV).
Sobre o conteúdo do livro e da próxima Encíclica sobre o tema da Ecologia, a Rádio Vaticano entrevistou o Secretário do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz", Dom Mario Toso:
"Na base da publicação do volume «Terra e Alimentação» existem mais razões. Antes de tudo, o fato de que a fome, não obstante se produzam gêneros alimentícios suficientes para todos, continua a subsistir: centenas de milhares de pessoas sofrem pela falta de alimento; mais de 2 bilhões têm carências nutricionais. Em segundo lugar, a urgência de enfrentar num futuro imediato o crescimento da demanda por um alimento de qualidade por um lado, e por outro, a sustentabilidade da produção no respeito pelo ambiente. Em terceiro lugar, existe também uma razão interna no Pontifício Conselho para a Justiça e a Paz: ele já enfrentou no passado o problema do desenvolvimento equo com a sua reflexão por uma melhor distribuição da terra, o desafio da reforma agrária. Diante da necessidade de considerar as novas questões relativas aos recursos naturais e ao alimento, e à sua vocação específica ao bem comum da família humana, pareceu oportuno não republicar as reflexões citadas acima, mas começar um novo estudo das problemáticas, no contexto da globalização e dos desafios que hoje a acompanham. Em quarto lugar, não se pretende negligenciar as críticas relativas aos investimentos no controle da terra ao 'land grabbin'".
RV: Qual a contribuição que a Doutrina Social da Igreja pode dar a este binômio terra-alimentação e portanto, recurso-alimentação?
"A resposta à sua pergunta permite expor uma outra razão que está à base da publicação. É conhecido que a ONU tem alguns objetivos importantes para o desenvolvimento dos povos neste milênio. Em vista também da Expo de Milão 2015, à qual a Santa Sé participará com várias iniciativas, o Pontifício Conselho para a Justiça e a Paz - apoiado pelo trabalho de muitos especialistas, nestes últimos anos,  pensou em oferecer a sua específica contribuição, a partir da perspectiva da Doutrina Social da Igreja, que implica um discernimento do tipo teológico, antropológico e ético, além do pastoral. E assim, no arco de cerca quatro anos foram publicados alguns textos concernentes ao tema: a reforma do sistema financeiro e monetário internacional (2011); a água como elemento essencial à vida, não redutível à mera mercadoria (2012); a vocação dos líderes de empresa (2012); a energia, do ponto de vista da justiça e da paz (2013); a terra e a alimentação (2015). Os cinco textos se completam, formando um conjunto de reflexões fundamentais para a atualização da própria Doutrina Social da Igreja, pelo compromisso das instituições universitárias, dos empreendedores, dos investidores e governantes".
RV: O Papa Francisco fala seguidamente sobre o ambiente, sublinhando todavia, que a salvaguarda da Criação é uma tarefa do cristão, não é uma 'batalha ideológica'. O que o senhor poderia dizer a este respeito?
"Para a Igreja e os seus pontífices, o interesse pelos temas sociais, incluído este crucial da salvaguarda do ambiente, não é comandado por razões do tipo extrínsico à identidade cristã ou por razões meramente instrumentais, quiçá para exercer simplesmente um peso politicamente maior. A atenção aos referidos temas é expressão da dimensão social da fé. Na força de sua inserção em Cristo, em particular mediante o batismo, os fiéis são chamados a viver as várias realidades, assumindo-as e orientando-as com o mesmo "Amor pleno de Verdade" que subsiste no Filho de Deus. Em relação à questão ambiental as comunidades eclesiais e os fiéis são devedores de uma evangelização que deve anunciar e dar testemunho de um novo humanismo, que permita superar derivas ecocêntricas, tecnocráticas, neo-malthusianas, em detrimento do respeito à vida e da ecologia humana. Juntamente com a ecologia ambiental é necessária uma ecologia humana, feita de respeito pelo indivíduo. O reforço da produção de alimentos para garantir o acesso a todos exige, depois, também um grande esforço no plano de educação. Os cristãos têm valorizado e procurado respeitar a natureza bem antes da preocupação ambiental nascida no mundo associativo e político na segunda metade do século XX. Os Padres da Igreja, os franciscanos e os cistercienses, não esperaram as mudanças climáticas para preocupar-se com a natureza. Esta esteve no centro de suas solicitudes justamente porque Cristo renova em si todas as coisas".
RV: EXiste uma grande expectativa pela próxima Encíclica do Papa sobre o tema do desenvolvimento sustentável e da ecologia. Quais frutos pode dar um documento deste teor?
"Sem dúvida, limitando-nos a considerar o mundo 'ad extra', a Encíclia de um Pontífice pode ajudar a olhar os temas ecológicos e do desenvolvimento sustentável na base de um pensamento e de um humanismo que iluminam sobre a beleza, a bondade, a verdade da criação, entendida, antes de tudo, como obra de Deus, como 'casa comum' para a família dos povos presentes e futuros. Em outras palavras, uma Encíclica pode oferecer, no atual contexto cultural inclinado a conhecimentos desarticulados, a ideologias neo-individualistas, libertárias e neo-materialistas, assim como mercantilistas, uma abordagem sapiencial, unitária, aberta à Transcendência, à fraternidade e à solidariedade, e portanto, à justiça social. E, além disto, pode oferecer uma projeção guiada pelo princípio da destinação universal dos bens, do primado da ecologia humana sobre aquela ambiental, de uma espiritualidade focada sobre o ser e sobre a partilha, mas também sobre enfrentar os problemas com coragem, capacidade profissional, inovação, criatividade, participando da mesma obra redentora de Cristo. Alguns frutos amadurecerão lentamente. Hoje vemos numerosos frutos que germinam no mundo empresarial sob a inspiração da Caritas in Veritate. Serão necessários, seguramente, alguns anos para verificar os frutos que serão produzidos pela futura Encíclica". (JE)
(from Vatican Radio)

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