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Previsões para o terceiro ano de Francisco

Apesar dos riscos, apresento cinco previsões para pontificado do papa Francisco em 2015.

Por John L. Allen Jr.
Na última sexta-feira (13), começou o Ano Três da era Francisco, visto que, nesse dia, o pontífice completou dois anos no comando da Igreja Católica desde a sua eleição surpresa em março de 2013. Embora o Vaticano diga que não há festividades planejadas além de dar aos funcionários um dia de folga, nada impediu de o resto do mundo fazer um balanço do tsunami espiritual em que este papa se tornou.
Podemos ter dificuldades para encontrar o adjetivo certo: “Agitado”, “tumultuado”, “importante”, todos servem para descrever este papado, mas cada um, de alguma forma, parece inadequado para capturar, de maneira plena, o drama dos últimos 48 meses.
Desde o sonho de Francisco de uma “Igreja pobre para os pobres” até a sua decisão de lançar duas reuniões dos bispos para debater questões tais como a comunhão para divorciados e recasados e o acompanhamento pastoral a casais do mesmo sexo, passando por frases marcantes como aquela de que os católicos não precisam se reproduzir “como coelhos”, este é um papa que gera ondas de choque quase com a mesma frequência com que realiza audiências e reza a missa.
Se há algo de deve estar claro neste momento é que este é um papa de surpresas. As tentativas de se prever o que ele irá fazer ou dizer são quase cômicas, dada a longa lista de improvisações e viradas inesperadas que ele já realizou.
Apesar do risco óbvio, o Ano Três de seu reinado configura-se como um momento crucial para todos, um momento em que a narrativa sobre este papa poderá ser reformulada e conclusões poderão ser tiradas sobre se sua reforma é, realmente, verdadeira.
Apesar dos riscos, apresento cinco previsões para o Ano Três da era Francisco. Dada a propensão deste papa para o imprevisto, nada do que apresento poderá acontecer, mas, pelo menos, elas – as previsões abaixo – fornecem uma noção do que está em jogo.
1. Uma resistência progressista
Até o momento, é dado que a maior resistência contra o papa Francisco, dentro da Igreja Católica, vem dos conservadores. O cardeal americano Raymond Burke é o mais destacado da oposição tradicionalista.
Deus sabe que 10 minutos online são o suficiente para encontrar um monte de comentários sobre o papa na blogosfera conservadora católica, apresentando termos tais como “herege”, “desastroso” e “cismático”.
No entanto, há também motivos para sermos céticos sobre se este desdém tem presença nas bases da Igreja.
No começo deste mês, o Centro de Pesquisas Pew divulgou os resultados de sua última pesquisa sobre a opinião católico-americana sobre o papa Francisco. O que mais se destacou foi que ele é, basicamente, tão querido quanto o foi o Papa João Paulo II em seu ponto mais alto de popularidade. Mas o mais interessante é o que aconteceu quando se pediu aos católicos americanos para se identificarem em termos políticos.
Francisco tem 89% de aprovação entre os católicos republicanos, número quase idêntico aos 90% entre os democratas. Entre os autodeclarados “conservadores”, ele conta com 94% de aprovação, número que está 7 pontos acima dos 87% de aprovação entre os católicos que se consideram “moderados/progressistas”.
Talvez o que os conservadores descobriram é que Francisco pode ser qualquer coisa menos um Che Guevara vestindo uma batina. Se há uma “revolução” a caminho, parece que ela tem a ver com a aplicação pastoral dos ensinamentos em vez de mudanças doutrinais.
O ano passado viu críticas agudas dirigidas ao papa Francisco por parte de católicos com tendência à esquerda, incluindo críticas sobre a sua retórica relativa às mulheres e à falta de coerência em promover mulheres a papéis de liderança na Igreja, bem como à sua crítica dos esforços em se “redefinir” o conceito de família.
Para os progressistas que passaram os últimos 48 meses à espera de que Francisco esteja preparando o caminho para uma redefinição doutrinal, este pode ser o ano em que a “Primavera Romana” comece a florescer.
2. Um “rock star” nos EUA
Francisco fará a sua primeira visita aos Estados Unidos em setembro não só como papa mas em toda a sua vida. Ele estará visitando Washington, Nova York e Filadélfia. O que se sabe de Roma é que o pontífice está nervoso quanto à viagem, mantendo contato direto com seus companheiros jesuítas americanos para ficar por dentro do que poderá enfrentar.
Em geral, é compreensível esta sua preocupação. Além do fato de que o inglês do papa não é muito bom, os EUA não são um bom lugar para Francisco brincar.
Nenhum outro país do mundo tem uma infraestrutura tão dedicada a defender o capitalismo de livre mercado, coisa que tanto ele critica. As suas posições quanto à imigração e ao meio ambiente são temas divididos aqui. Suas posturas relativas aos conflitos na Síria e Ucrânia são, muitas vezes, vistas com ceticismo pelo establishment americano de política externa, e poucos países têm sido tão atingidos quanto este pelos escândalos de abuso sexual, onde os esforços do pontífice ainda são tomados como incompletos.
Não obstante, minha aposta é que Francisco irá se sair bem.
Por um lado, Francisco já mostrou ter apelo popular, tanto quanto certa vez o teve João Paulo II. Ele reuniu 3 milhões de pessoas na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro em 2013, e em Manila, no mês de janeiro, atraiu 6 milhões durante sua visita.
As multidões nos EUA serão e estarão entusiasmadas, mandando uma vibração positiva.
Além disso, a imprensa americana tem investido tanto em apresentar o Papa Francisco como um herói populista que seria muito trabalhoso assumir, agora, um rumo diferente.
Tudo isso se soma ao fato de que, diferentemente de grande parte da Europa, os americanos continuam constituindo uma sociedade intensamente religiosa, na qual os líderes religiosos ainda desfrutam de certo respeito.
Quanto ao inglês do papa, sim: ele é limitado, mas isso não evitou de ele ter um índice de 70% de aprovação – mesmo entre não católicos –, com somente 15% avaliando-o negativamente.
Republicanos e democratas, negros e brancos, velhos e jovens, todos estão unidos na afeição que sentem pelo pontífice.
Em outras palavras, as cartas já estão dadas para que esta viagem do papa aos EUA seja um sucesso.
3. O papa Verde-Escuro
Bento XVI foi apelidado de o “papa verde” por preocupação pelo meio ambiente, que incluiu instalar painéis solares nos tetos do Vaticano e assinar um acordo para transformar a cidade-Estado no primeiro país europeu neutro em relação às emissões de carbono, ao replantar um trecho de uma floresta húngara.
Este pode ser o ano em que Francisco emerja como aquilo que os ambientalistas chamariam de o papa “Verde-Escuro”, ou seja: uma figura que intensifica o compromisso da Igreja com esta causa, relacionando-a com os efeitos corrosivos do consumismo e do capitalismo global desenfreado.
Nos próximos meses, Francisco irá publicar uma carta encíclica sobre a Criação, marcando a primeira vez que um papa devota este tipo de documento ao tema do meio ambiente. Dadas as preocupações centrais do pontífice, é muito provável que ele vá notar que o impacto dos danos ambientais e desastres naturais recai, de forma desproporcional, sobre os pobres e que relacione a sensibilidade ecológica com questões mais amplas de justiça.
Francisco tem dito também que quer que a encíclica saia em tempo hábil a influenciar as discussões na cúpula das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas em Paris, no mês de dezembro, instando este órgão a fazer “escolhas corajosas”.
O teórico político americano Jeremy Rifkin previu que assuntos tais como os organismos geneticamente modificados e as mudanças no clima estavam dissolvendo as velhas divisões esquerda/direita, criando uma nova “biopolítica” na qual os defensores (esquerdistas) da natureza e os defensores (direitistas) da vida humana ver-se-iam como aliados, postando-se contra uma forma de hiperindustrialismo do século XXI que enxerga tudo, inclusive a natureza e a vida orgânica, como uma commodity.
Este poderá ser o ano em que o papa Francisco faz a previsão de Rifkin se tornar realidade.
4. Novamente uma “Humanae Vitae”
Quando Francisco decidiu realizar dois Sínodos dos Bispos sobre a família, não estava pensado sobre a polêmica questão de se os católicos divorciados e recasados no civil deveriam ter a permissão de participar na comunhão. O seu objetivo era muito mais amplo: como a Igreja poderia melhor apoiar as famílias no mundo.
Não obstante, a questão dos divorciados e recasados se tornou o tema mais polêmico de todo o processo sinodal, e para muitos este será um teste decisivo sobre se o compromisso de Francisco em reformar a Igreja tem fundamento ou não.
O segundo dos dois sínodos irá acontecer em outubro deste ano, e aqui apresento uma previsão: quanto ao assunto da comunhão para estes católicos, os bispos estarão tão divididos quanto estiveram no sínodo em outubro do ano passado. A questão de fundo não é tanto sobre o que o papa irá ouvir dos bispos, mas sim o que irá fazer depois de todo este processo.
Alguns analistas acreditam que, se Francisco não permitir que católicos divorciados e recasados voltem a participar na comunhão, teremos uma “Humanae Vitae” outra vez. Esta foi a polêmica encíclica de 1968, do Papa Paulo VI que defendeu a proibição tradicional contra o controla de natalidade, o acabou frustrando as expectativas de mudança e azedando a opinião sobre o papa em muitos lugares.
Hoje, parecem prematuras as previsões sobre o que Francisco irá fazer neste ponto. Mesmo se ele disser não [quanto a derrubar a proibição da comunhão para católicos divorciados e recasados], haverá três boas razões pelas quais nós provavelmente não estaremos diante de uma outra “Humanae Vitae”.
Em primeiro lugar, a introdução do uso generalizado de métodos contraceptivos representava uma mudança cultural maciça muito além das fronteiras da Igreja Católica, formando o cerne da revolução sexual. Diferentemente, a questão de se os fiéis divorciados e recasados podem comungar está dentro dos limites católicos, e não geraria reações externas.
Em segundo lugar, Paulo VI jamais teve a boa impressão pública que Francisco conquistou nestes dois anos. Este reservatório de capital político deverá ajudá-lo a superar qualquer revés que possa existir.
Em terceiro lugar, Francisco assinalou o seu apoio pessoal por uma maior flexibilidade para com os católicos divorciados e recasados em várias ocasiões. Se ele voltar atrás, muitos estarão inclinados a interpretar o caso como uma tentativa do papa em praticar a colegialidade, respeitando a necessidade de um consenso em vez de impor a sua própria vontade. Esta é uma qualidade entre os líderes que cai bem na ala progressista da Igreja.
Com certeza, muita coisa estará em jogo independentemente da decisão que Francisco tomar na esteira do Sínodo. Ele encontrará duras críticas, não importa o que escolherá fazer.
5. O papa dos Perseguidos
Claramente, o papa revitalizou a capacidade política e diplomática do Vaticano e do papado, simbolizado pelo papel que desempenhou no fim das tensões da Guerra Fria entre os EUA e Cuba.
Até o momento, ainda estamos à espera para ver qual será a marca geopolítica da fase inicial deste papado. Com João Paulo II, o último grande papa ativista no cenário mundial, esta marca foi a luta contra o comunismo europeu. As circunstâncias podem estar conspirando para dar uma resposta, hoje, ao Papa Francisco na forma de uma crescente violência anticristã.
Com a ascensão do Estado Islâmico no Oriente Médio, com a militância do Boko Haram em partes da África e um ambiente global no qual os cristãos se tornaram o corpo religiosos mais oprimido do mundo, este pode ser o ano em que Francisco surja como o Papa dos Perseguidos.
Francisco já fez do sacrifício dos novos mártires uma marca de sua retórica, e também fala repetidas vezes sobre um “ecumenismo de sangue” que une todos os cristãos atualmente. Ele deu uma luz amarela de atenção para as ações militares contra o Estado Islâmico, dizendo ser “legítimo” deter um agressor injusto.
Num artigo para a edição online da revista Time desta semana, Francis Rooney, ex-embaixador americano na Santa Sé, sustenta que o Vaticano, sob o comando do Papa Francisco, é o mais capacitado para implantar o “poder brando” contra o extremismo religioso, especialmente em sua variante islâmica.
Rooney argumenta que Francisco poderia promover uma “comunidade ampla de países (...) para criar uma força ‘justa’ contra os extremistas islâmicos”, e incentivar os “estados islâmicos e os seus próprios líderes (...) a elaborarem construções teológicas e filosóficas para pôr o Islã em geral em harmonia com o mundo moderno”.
Um momento que este esforço pode vir à tona será em dezembro, quando Francisco visitará a República Centro-Africana. Este é um país em crise desde 2013, marcado por uma violência sectária generalizada que, muitas vezes, se irrompe entre muçulmanos e cristãos.
É também um lugar onde os cristãos não vêm sendo somente as vítimas da violência como também os perpetradores, com milícias cristãs matando muçulmanos, queimando suas casas e roubando o seu gado. Em outras palavras, é realidade que permitirá que Francisco fale em nome de todas as vítimas da violência religiosa e denuncie o extremismo, não importando qual seja a sua fonte.
Para o primeiro papa chamado Francisco, a oportunidade para se tornar o apóstolo da paz religiosa no mundo pode parecer uma providência divina.
Crux, 13-03-2015.
*Tradução de Isaque Gomes Correa.

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