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ERA UMA VEZ A LAGOA DOS PATINHOS

MARCOS SOUTO MAIOR*                                           

Desde guri de poucos anos, meus queridos pais, Hilton e Adélia, desciam a ladeira da rua Santos Dumont onde uns patinhos dançavam em blocos na água limpa das torrenciais chuvas, numa centenária lagoa, que fora batizada pela população unânime de o coração da cidade, se tornando um passeio muito apreciado por todas as camadas do povo paraibano. Lá já habitavam as irerês, aves nativas e conhecidas por marrecos, mesmo antes de 1920, quando a dupla de políticos, o governador Solon de Lucena e o prefeito Walfredo Guedes Pereira, concretizaram a preciosa urbanização e, na sequência, em 1940, o governador Argemiro de Figueiredo, arrodeou a lagoa guarnecida com calçamento novo de paralelepípedos e moderna fonte luminosa. Até recordo o hino popular da cidade de João Pessoa, de autoria do saudoso amigo, paraibano da gema, Genival Macedo, igual comigo disse: “Lá, eu nasci e me criei: Fiz canções e amei Sempre tive inspiração..” para completar bradando: “Minha terra tem o cantar dos passarinhos, na lagoa os gansinhos, com seu nado devagar; As morenas tão gentís, Ostentando os seus perfis, Numa noite de luar...” E conclui em ‘Paraíba hospitaleira, Morena Brasileira, Do meu coração!”.  


Nos sábados e, principalmente nos domingos e feriados, a mocidade descia dos carros dos seus pais e, outros vinham mesmo a pés ou ainda, pelos ônibus públicos ou pelas marinetes, estas, embora menores seus assentos, eram mais rápidas e, mesmo com lotação completa, alguns iam bem no centro da passagem de ida e vinda de todos, se pegando em dois canos roliços para não cair no chão do veículo ou, por cima dos passageiros sentados. Nada atrapalhava a alegria saudável dos meninos e meninas do meu tempo, no vai e vem do passeio, onde o piscar de olhos já era um sinal de simpatia imediatamente retribuída e a maioria nunca olhava fácil para trás, até porque havia a certeza de que o trocar de olhos, seria um namoro à distância! Isto porque as mãos cruzadas já seriam uma ousadia a qual os pais levantavam o rosto, em sinal fatal para a menina ter de desatar ligeiro as suas mãos frias das do amor. Respeitei o mote daquele tempo, tendo dificuldade de levantar a mão no ombro da namoradinha, mesmo sem muito aperto, sendo o penúltimo os doces carinhos para chegar, finalmente, ao beijo!

Com o tempo, tudo foi mudando. Algumas amizades foram ultrapassadas aos namoros, facilitados com as roupas leves do verão quente e revelando as meninas em roupas cavadas e transparentes, cobrindo os corpetes dos anos sessenta, que se pareciam mais com um desses coletes à prova de balas, usados pelos policiais e motoristas de veículos blindados que transportam dinheiro para os bancos. Fico na dúvida o que foi melhor para todos, lembrando que o antigo fora substituído, exageradamente, pelo moderno e, tudo pode acontecer, até mesmo a exibição da nudez, hoje também fora de prumo.

Fico triste com o total fechamento do imenso círculo público da Lagoa Solon de Lucena, já perdurando meses de letargia numa proposta de remodelação quase interminável! Não cansei de passar pelos muros de zinco postos pela atual prefeitura para chegar ao restaurante centenário dentro da Lagoa e, então, pude ver que nada fora encostado para os trabalhos e, muito menos, trabalhadores e engenheiros e arquitetos. Quiçá, tudo é sinal de protelar a reabertura às próximas eleições municipais. Até lá, os patinhos da lagoa hão de voltar para o logradouro de nascença, local há muito aprazível, ficando para minhas queridas netinhas, Malu, Clarinha, Vitória, Ritinha e Valentina, levarem os saquinhos de milho que o avô sempre falava nos tempos de calças curtas. Queiram ou não, os marrequinhos da Lagoa vão voltar!
*Advogado e desembargador aposentado

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