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Oscarizável, 'Lion' parece uma longa propaganda do Google Earth

O longa concorre ao Oscar em seis categorias, sendo, além da dupla de atores, filme, roteiro adaptado, fotografia e trilha. (Divulgação)
Por Alysson Oliveira
São Paulo - Uma boa dose de fofura pós-colonial combinada com outra da pós-modernidade espacial do Google Earth dá o tom ao oscarizável “Lion: Uma jornada para casa”, drama do australiano Garth Davis, baseado (como não?) numa história real de superação e vitória pessoal do indiano Saroo Brierley, interpretado por Sunny Pawar, quando criança, e Dev Patel (indicado ao Oscar de coadjuvante e premiado com o Bafta), quando adulto.
Numa terra de miséria, cor e exotismo (pois assim sempre é a visão da Índia, no cinema não indiano), o pequeno Saroo e seu irmão Guddu (Abhishek Bharate) vivem numa região rural do país, onde tentam de todas as formas ajudar a mãe (Priyanka Bose) com pequenos expedientes. Até o dia em que os dois estão numa cidade grande em busca de dinheiro, e o protagonista pega no sono num trem que é recolhido até Calcutá.
Quilômetros e quilômetros longe de casa, o menino de 5 anos é incapaz de falar corretamente o nome de sua cidade quando, finalmente, é levado às autoridades. Colocado num orfanato, só sairá de lá quando adotado por um casal de australianos que o levarão para Tasmânia. Eles são John e Sue Brierley (interpretados por David Wenham e Nicole Kidman, indicada ao Oscar de coadjuvante). E Saroo, com todos seus traumas e medos, parece ser a escolha ideal.
O filme dá um salto e encontramos Saroo adulto e feliz com a nova família, em Melbourne, mas sem nunca se livrar da culpa do sofrimento que sua mãe biológica deve ter passado. Além disso, sofre pela indefinição de sua identidade deslocada. Isso fica ainda mais claro no curso de hotelaria, onde encontra pessoas do mundo todo e se apaixona por uma americana (Rooney Mara).
A partir desse momento, o filme roteirizado por Luke Davis, baseado num livro do próprio Saroo, torna-se uma propaganda escancarada do Google com suas ferramentas de localização e visualização espacial. É por meio delas que o protagonista calcula distâncias, mas nem é preciso recorrer ao Google para saber onde o filme irá chegar: ou seja, imagens das pessoas reais antes dos créditos finais.
Seguindo a jornada apenas do ponto de vista de Saroo, o longa abre mão de uma construção com mais nuances. Como a mãe do garoto, mesmo sem qualquer tecnologia, passou anos procurando pelo filho? O próprio protagonista, com o salto do roteiro, parece que nunca havia pensado em sua mãe até o momento em que a Internet permitiu que a procurasse.
A tal “incrível história” de Saroo, que potencializa as lágrimas até dizer chega, renderia, quando muito, uma reportagem de menos de cinco minutos num telejornal. Por isso, esticá-la à marca de infindáveis duas horas é um exagero que nunca se justifica.
Há pontas mal resolvidas, como a passagem da infância para a vida adulta, de órfão dickensiano na Índia a rico e atormentado, e o irmão adotivo (Divian Ladwa) viciado em drogas, cujos acessos de raiva nunca se justificam direito. Tudo, no entanto, está na medida para indicações ao Oscar - o longa concorre em seis categorias, sendo, além da dupla de atores, filme, roteiro adaptado, fotografia e trilha.

Reuters

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