
A razão, segundo ela, para o filicídio: o companheiro a mandou sair da internet, à meia-noite, porque ela tinha que levar o bebê para tomar vacina pela manhã. Façam as contas: aos 16, a menina que cometeu o filicídio já tinha um bebê de quatro meses, filho de um homem que o abortou. Ou todo mundo aqui faz questão de continuar ignorando o aborto masculino? É simples, barato e legal: basta ir embora. O jornal diz que o microempreendedor de 52 relaciona-se com ela desde o 4º mês de gravidez. Após as contas e imaginarem a cena, favor desenhar o conceito de condição humana e de pedofilia. E não se esqueçam do feto dentro do útero da menina e do romance. Detalhe: há dois anos, a menina já havia deixado sequelas irreversíveis em uma irmã de 2 anos, após agredi-la com uma martelada na cabeça.
Linchadores
Cena 2: Parque da Cidade, 26 de maio, Brasília. Um garoto de 16 anos vai pela primeira vez sem os pais a uma festa. Em meio a um evento com 1.500 pessoas, foi cercado e linchado por 20 jovens de classe média alta, que gritavam “pega” e “mata”. Os linchadores do parque deram chutes, garrafadas, socos e facadas. Alguém filmava, e a multidão nada fez. E ainda gritava: “pega!”, “mata!”, “finaliza!” Ninguém foi preso.
Cena 3: Estrasburgo, França, um quarto de hotel de luxo. Um homem milionário, endeusado pelo talento e pela fama, adorado por ricos e famosos, estrela das mais importantes publicações do mundo, situado no olimpo dos melhores chefs de cozinha. Anthony Bourdain, 61 anos, o badaladíssimo chef de cozinha nova-iorquino, dá um basta em sua agonia diante das dores da vida e suicida-se. Uma parte da imprensa, e uma massa de leitores, vai pelo caminho mais óbvio para especular o ato de Bourdain ao desistir do mundo: o tédio da fama e da riqueza dos famosos que incursionam no caminho das drogas pesadas.
Foi dor
É complexo entender que droga não é causa, mas consequência de um sintoma de dor anterior. É complexo demais pensar que pode não ter sido o tédio da riqueza aliado à droga que o levou ao suicídio, mas tão somente a mais absoluta e insuportável lucidez. Ler A Ferida, um texto de Bourdain diante de um homem que sobreviveu ao derretimento pelas bombas de Napalm atiradas pelos Estados Unidos em Saigon, no Vietnã, faz seu suicídio parecer quase natural.
Cena 4: 5 de maio. Um apartamento de um dos endereços mais caros de Nova York. A estilista Kate Spade, rica, famosa e com uma filha de 13 anos, suicida-se e deixa uma carta à menina, pedindo desculpas. De novo, a imprensa não sabia como esconder sob letras o desconforto de noticiar o suicídio. Ninguém conta aos produtores das hard news que suicídio nunca matou ninguém. A coisa começa lá muito atrás. Assim como os beijos mais ardentes não vêm nunca da boca, a morte do suicida não vem do ato. Eles já morreram muito antes. E não foi de queda, centenas de pílulas, veneno ou revólver. Foi de dor da vida. E quando se trata da barbárie, da desumanidade e do suicídio, o jornalismo está por fora. Esses são temas para a literatura. E para a psiquiatria.
Fonte: Correios24Horas
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