Pular para o conteúdo principal

O celular e o capiroto

 domtotal.com - Gilmar P. da Silva SJ*

Quando meu irmão era adolescente, ele não gostava de tirar seu boné para nada. Brincávamos que era uma parte de seu corpo; por isso, irremovível. Algo parecido acontece hoje com os aparelhos eletrônicos, particularmente osmartphone. Se este não é considerado uma extensão do corpo, ao menos é tido por alguns como um item essencial à vida. Há quem diga que se sente como se estivesse nu quando sai de casa e se percebe sem o gadget.

Estava o homem feliz no paraíso e veio a serpente e disse: “Você precisa de um celular bom. Com o whatsapp você pode mandar mensagens de texto gratuita e sua comunicação ficará rápida. Outro dia queríamos te chamar para sair e não tínhamos como falar com você”. E continuou com esses e outros argumentos sobre as vantagens trazidas pelo aparelho. Então o homem viu que o smartphone era bonito aos olhos e agradável à interação social e dividiu em 12 vezes no cartão. Depois de usá-lo, em sua ausência, o homem viu que estava nu e sentiu vergonha. Com isso, perdeu o paraíso; era mais informação do que ele precisava.

E porque se sentiu envergonhado por estar nu? Ora, a nudez do Gênesis – seja o bíblico ou a nossa versão digital – trata-se da experiência de se ver finito e limitado, de dar-se conta da própria humanidade, da realidade humana nua (e crua). De fato, toda tecnologia pretende expandir e superar as capacidades naturais, desde o simples óculos que corrige a visão até a mais avançada máquina de fotografia quântica. O problema não está nos artefatos técnicos ou mesmo na nudez, mas sim na vergonha, no não aceitar-se humano. Aqui reside a linha tênue entre a expansão dos limites da natureza e a dependência obsessiva de instrumentos tecnológicos que dão a sensação de ser super-humano.

Criar uma visão catastrófica disso tudo também é doentio. Alguns religiosos fazem uma leitura do Apocalipse bem engraçada. O livro bíblico diz que no fim dos tempos as pessoas serão marcadas com o sinal da besta na fronte e na mão. Daí as teorias conspiratórias dizem que será um chip implantado pelos poderes do mal que controlará a vida humana. Algo como: “Satanás entrou no sistema”. Além de antivírus você precisará de um “anticapeta” senão perderá os dados da sua vida. O bom é que Jesus salva e você pode ir para a nuvem. Ironia à parte, o texto bíblico trata de um modo de agir (mão) e um modo de pensar (fronte) que é assinalado pelo mal. Nesse sentido, ninguém precisa esperar um chip para isso, já tem muita gente marcada pela besta sem saber.

Eu já tenho uma visão mais otimista. Aliás, o dia-a-dia já está invadido pela tecnologia e porque não fazer um uso justo? Ao acordar, você pode fazer sua oração da manhã com o aplicativo “Passo-a-rezar” – se não gostar do sotaque de Portugal tem seus irmãos Rezando voy (Espanha), Pray as you go (Inglaterra) e Jesuit Prayer (USA), todos jesuítas. Daí você confere seu dia no aCalendar+, aplicativo fantástico para gerenciamento de tarefas. Toma seu café e confere as notícias dos jornais que você segue no Twitter. Sai de casa e pega a melhor rota de trânsito com o Wase. Ao longo do dia escuta música por streaming com o Spotify ou então com Deezer ou Rdio. Há quem prefira uma playlist noSoundclound. As mesmas músicas fazem lembrar alguém querido e bate a vontade de lhe chamar ao telefone, o que pode ser feito gratuitamente com o Viber. Daí você marca um jantar em casa com a comida preparada segundo a receita do Tudo Gostoso. As calorias ganhas são perdidas na bicicleta, tendo monitorado todo o percurso pelo Runtastic Road Bike. Nesse passeio você para e tira uma foto e depois edita no Pixlr Express e publica no Pinterest. Nisso você já pagou as contas com o aplicativo do seu banco e vai dormir lendo um livro que você baixou com o Kindle. O melhor de tudo que a maioria funciona muito bem na versão free e são compatíveis com Android. Tecnologia não é do demônio, é para otimizar o dia.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

Comentários