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O sentido oriental de comunidade

 domtotal.com

Onde receber e servir revelam um espírito de coletividade desconhecido no mundo.

Por Alexandre Kawakami*
Tenho boas lembranças de meu tempo na Ásia. Destas lembranças, algumas que guardo com maior carinho são as que demonstram a afeição que as pessoas têm umas pelas outras em suas comunidades, principalmente nas cidades do interior e nos subúrbios dos grandes centros. Nem tanto nas grandes cidades. Pergunto-me se o mesmo acontece em nosso país.

Era comum encontrar em vários estabelecimentos no Japão e China situações onde restaurantes, bares, padarias e lojas de varejo semelhantes oferecem serviços diferenciados de grandes redes. Um restaurante, por exemplo, oferece um “prato feito” onde os preços são mais baixos e a quantidade é maior e o preço é mais baixo do que os descritos no cardápio. Ou onde existiam promoções especiais para estudantes ou aposentados, seja para produtos ou serviços.

Muitas vezes, quando conversava com os donos destes estabelecimentos, muitos deles estabelecidos desde antes da Segunda Guerra Mundial ou da Revolução Comunista, via claramente que havia uma consciência de que os produtos e serviços oferecidos eram, ainda que cotidianos à primeira vista, importante na visão dos que os provêem. Nota-se um gosto de história nestes lugares: o esforço conjunto para a superação das tragédias em que estavam todos imersos.

Era comum ouvir de uma dona de restaurante: “Precisamos fazer um prato maior para os que trabalham na construção das casas à nossa volta. Os estudantes também precisam comer bem para poder focar em seus estudos e praticar seus esportes. O trabalho é braçal e extenuante. As pessoas precisam comer mais nessas condições. Muitas vezes mudamos o nosso cardápio para atendê-los, coitados. Sou muito agradecida em poder ajuda-los.”

É certamente o diferencial desses lugares em comparação a grandes redes de lanchonetes ou restaurantes. Não apenas pelos preços e pelas quantidades, mas pelo carinho que se sente nestes lugares. E não só isso: muitas vezes é bem mais saboroso também. Este ambiente de co-dependência e familiaridade, o aconchego resultante talvez seja bem mais importante do que outros fatores para a sobrevivência destes empreendimentos.

Pergunto-me se é um fenômeno que também acontece em nossas favelas, ao redor de nossas fábricas, de nossas residências. Vejo traço disso às vezes nos ônibus, onde as pessoas assentadas se oferecem para carregar as sacolas dos que estão de pé.

É nesses lugares e nesses momentos que sinto um espírito real de coletividade. E não quando um político sugere fazer uma lei ou aumentar um imposto. A caridade com o dinheiro alheio nunca é substituto da bondade oferecida com o próprio esforço. Esta última deixa não só memórias: constrói a base de relações de comunidade onde os laços sociais são individuais, pessoais e comprometidos.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da MontPelerinSociety, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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