A gênese de uma grande obra literária é um mistério que a crítica jamais saberá decifrar plenamente — e o testemunho dos próprios autores às vezes gera mais perguntas do que respostas. Alguns anos após a publicação de Sagarana , Guimarães Rosa escreveu uma carta a João Condé, explicando a gestação de seus contos. Primeiro, decidira escrever uma série de “histórias adultas da carochinha”; só depois pusera-se a pensar na localização dos relatos. “Podia ser Barbacena, o Rio, a China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral ou, mesmo, o pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que escolhi.” Rosa, como sabemos, voltou ao chão real de sua aldeia para engendrar alguns dos momentos mais luminosos e universais de nossa literatura; a mim, contudo, sempre me fascinaram aquelas duas misteriosas divagações: Neo-Baratária e o espaço astral. “Baratária” talvez seja uma referência a certa ilha imaginosa que Sancho Pança falsamente recebe como feudo em Dom Quixote — uma travessura
Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza