Igor Cavalcante
Fechado há 14 anos sob promessa de ser restaurado, o Palacete Carvalho Mota, antigo Museu das Secas, no Centro, funciona atualmente como arquivo do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Sem data para ser reaberto ao público, o prédio tem áreas sem eletricidade, cômodos estão tomados por mal cheiro e as obras de arte que sobraram estão colocadas no chão. A construção histórica foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 19 de maio de 1983.
Poucos que passam pelo cruzamento entre as ruas Pedro Pereira e General Sampaio notam que ali está um prédio com 110 anos de história. A maioria sequer imagina que o espaço foi um dos principais responsáveis por concentrar a memória e homenagear os flagelados pelas secas no Ceará. A construção, hoje disfarçada em meio a fios elétricos dos postes e pichações nas paredes, une elementos neoclássicos e traços de art nouveau nos 1,3 mil metros quadrados do terreno.
Trabalhando há dois anos próximo ao local, a comerciante Júlia Silva, 42, conta que tem curiosidade para saber o que é abrigado ali. Sem nunca ter visto o Palacete aberto, o medo dela é de que a falta de manutenção coloque em risco a população do entorno. “Dizem que acabou tudo aí dentro. Eu não sei, mas manutenção não tem. Deve ter perigo é de cair”, disse.
No interior do edifício, a situação de abandono se confirma. Apenas seguranças ficam normalmente nos cômodos. Na entrada, cadeiras e poltronas antigas acomodam os raros funcionários que vão ao espaço.
As paredes têm manchas pretas e amarelas, marcas da deterioração. Em alguns pontos, a infiltração derrubou as camadas mais externas de tinta e reboco. A falta de manutenção também enfraqueceu o teto de algumas salas. Há rombos pelos quais é possível ver a laje do primeiro andar.
Devido à extensão dos cômodos, as lâmpadas são insuficientes para iluminar todo o Palacete. Do teto ao chão há teias de aranha que grudam naqueles que tentam caminhar pelo espaço. No centro do edifício, uma antiga cacimba foi tapada com restos de madeiras e pedaços de tábuas. Barras de ferro, tijolos e uma mesa quebrada impedem que as pessoas caiam no buraco.
Odor de fezes de animais é recorrente em praticamente todas as salas.
O que alivia o fedor é o ar que entra através de buracos nas portas danificadas e pela vidraça quebrada das janelas. Os feixes de luz solar também ajudam a iluminar, já que parte do prédio está sem eletricidade. Na área que tem, a instalação elétrica está exposta e pendurada nas paredes.
Falta de planejamento
Para a advogada Manoela Barcelar, membro da Comissão de Direitos Culturais da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE) e autora do livro Tombamento: Afetos Construídos, o prédio é retrato das ações de tombamento sem planejamento. Segundo ela, esses espaços carecem de políticas que reinsiram os imóveis na sociedade.
“Não adianta tombar e não fazer gestão do uso. Lá é tombado, existe a responsabilidade legal de que ele é protegido, mas essa proteção não ocorre de fato”, criticou. De acordo com ela, os tombamentos devem ocorrer paralelamente a ações que incentivem a população a ver importância nos prédios, preservando a estrutura e dando novo uso.
Conforme o Dnocs, a principal finalidade do edifício atualmente é guardar documentos do órgão. O POVO esteve no local no último dia 2 de agosto, mas a entrada não foi autorizada. Nesse dia, funcionários montavam armários. Já na terça-feira, 8, com a visita autorizada, O POVO constatou que a mobília recém instalada abriga parte dos documentos. Contudo, a maioria desses arquivos está colocada no chão do primeiro andar. Sobre ele, há fezes de animais, poeira e ninhos de pássaros que caíram do telhado.
Em todo o espaço do Palacete, resquícios do antigo Museu só podem ser encontrados numa das salas do primeiro andar. Um dos acessos ao espaço é por uma escada improvisada com pedaços de madeira.
Quadros e peças antigas estão acomodadas no chão, encostado nas paredes.
O Dnocs esclareceu que, à época em que foi fechado, em 2003, o Palacete deveria receber restauração, mas o projeto não foi concretizado por falta de financiamento. “Os recursos foram disponibilizados. Eram oriundos de permissão da Lei Rouanet e a Petrobras contribuiu”, explica a nota enviada pelo órgão. A Lei Rouanet é uma política de incentivos fiscais que possibilita as empresas aplicarem parte do Imposto de Renda em ações culturais. Segundo o Departamento, não há previsão de que o prédio receba novas intervenções.
O Povo
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