por Erico Assis - Folhapress
Tal como são distintos na prosa, os livros ganharam adaptações distintas, de estilo quase antagônico, nos quadrinhos. As obras do escritor Mário de Andrade (1893-1945) entraram em domínio público em 2016. Chegaram nos estertores da sanha editorial pelas adaptações de literatura para quadrinhos, motivada pelas compras do governo federal para bibliotecas públicas.
Mas o estímulo federal acabou, e agora espera-se que o gênero das adaptações se sustente pelas próprias pernas.
São os dois únicos romances de Andrade, "Amar, Verbo Intransitivo" (1927) e "Macunaíma" (1928), que ressurgem em versão HQ. Tal como são distintos na prosa, ganharam adaptações bastante distintas, de estilo quase antagônico, nos quadrinhos. "Amar, Verbo Intransitivo" centra-se em Elza, jovem alemã contratada para ser governanta e professora dos filhos da abastada família Sousa Costa. Na verdade é um plano do patriarca Felisberto, que quer a iniciação sexual do primogênito, Carlos, com a professora.
Criticando os costumes da elite paulista de cem anos atrás com boa dose de irreverência e almejando certo escândalo, o livro faz um estudo íntimo dos personagens principais. O narrador é o próprio Mário de Andrade, que se permite apartes para comentar gramática e sociologia ou fazer gracejos quanto à trama.
Andrade também ganha suas páginas - desde a capa, aliás - como personagem na versão em HQ, assinada por Ivan Jaf (roteiro) e Guazzelli (arte). O quadrinho também centra-se em recordatórios e balões de pensamento para encontrar o íntimo tanto de Elza quanto de Felisberto e Carlos.
Na fidelidade ao livro, contudo, pesa negativamente a pouca atenção a expressões faciais e linguagem corporal dos personagens. Muitas vezes estáticos por longas sequências, falando ou pensando no linguajar preservado da prosa, decisão que gera seções arrastadas. É como um longa-metragem com atores preguiçosos.
Por outro lado, nas páginas sem palavras - tal como a de Carlos notando as pernas da professora no jardim - ou no movimento sutil da cena da família no trem, o álbum alcança sua expressão como quadrinho.
Ritmo
Na contramão do estatismo de "Verbo Intransitivo", "Macunaíma" é ação e movimento. A aventura folclórico-fantasiosa-indígena sobre o herói sem caráter - já adaptada duas vezes para quadrinhos e bem conhecida na versão para cinema - é tratada como tal na adaptação de Rodrigo Rosa, que assina roteiro e arte. Ele tomou, em primeiro lugar, uma decisão audaz: no traço, Macunaíma vira praticamente um gibi infantojuvenil, cruzando o estilo "narigudo" da franco-belga Escola de Marcinelle - que rendeu Asterix, Smurfs e outros - com as estilizações dos brasileiros Henfil e Canini. O resultado lembra alguma revista que se encontraria em banca no Brasil nos anos 1970.
As cores, porém, não são os tons primários dos gibis, mas uma paleta tropical-terrosa inspirada em Tarsila do Amaral. O texto, assim como na versão original em prosa, segue o português do início do século 20, com gírias e termos indígenas dentro de grafia e gramática particulares a Mário de Andrade.
Diferente de "Verbo Intransitivo", onde a adaptação pena para tomar ritmo, "Macunaíma" é sobretudo uma HQ que se vê invadida pela fábula delirante de Mário de Andrade.
Diário do Nordeste
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