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Novo romance de Jennifer Egan, "Praia de Manhattan" mergulha em dramas pessoais num cenário bélico

por Diego Barbosa - Repórter
Jennifer Egan: romance de época trata, entre outras coisas, do lugar da mulher na guerra
O ano de 2011 conferiu novo status à extensa produção literária de Jennifer Egan. Foi nesse período que a escritora norte-americana venceu o prestigiado Prêmio Pulitzer pelo livro "A visita cruel do tempo" - laureado também com o National Book Critics Circle Award e o Los Angeles Times Book Prize. Além disso, ganhou o britânico Galaxy National Book Awards na categoria Autor Internacional do Ano, e foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.
O reconhecimento é fundamentado. A obra que a colocou numa espécie de Olimpo da ficção contemporânea é composta de 13 histórias curtas, em que constam assuntos como o jornalismo de celebridades, os efeitos da tecnologia, as relações familiares, a indústria fonográfica, viagens e o sempre impiedoso embate entre identidade e fragmentação. Um tratamento encorpado sobre camadas diversas dos dias atuais.
Dado o hype da publicação, como é natural pensar, tudo o que a sucedesse sob a assinatura de Egan ganharia novos olhares do público e da crítica. Assim acontece, embora de modo mais contido, com "Praia de Manhattan", recente lançamento da editora Intrínseca, casa que publicou outros quatro livros da autora e que, agora, joga luz em mais uma densa trama da literata.
Intrigante desde a concepção visual da capa e contracapa - em que pedras formam a silhueta de um corpo na água e são içadas, de um lado, por braços e, de outro, por correntes -, o exemplar mergulha (quase que literalmente) nos dramas de personagens marcados por ações enigmáticas que, pouco a pouco, ganham contornos irreversíveis.
A narrativa é ambientada nos Estados Unidos, em pleno cenário de entraves ideológicos encadeado pela Segunda Guerra Mundial. Contudo, o enredo se aproveita apenas das discussões sociais do período - de forma mais enfática, no papel da mulher em um contexto bélico - para imergir em feridas, traumas, mistérios e amores.
Mar
O mar tem muito a dizer na obra. Em todas as oito partes que compõem o livro, o litoral banha diferentes escolhas e acontecimentos, tirando do sossego o campo das certezas e trabalhando na sedimentação de incógnitas. Sempre à espreita dos fatos, a costa americana tem apetite voraz por resguardar segredos.
Um deles é o de Anna, a primeira que sente a perigosa calmaria da brisa oceânica que varre os instantes iniciais da história. A protagonista, então com seus 12 anos de idade, acompanha o pai à casa de Dexter Styles, figura que pode ditar os rumos da sobrevivência de sua família e cuja morada é marcada pelo azul marinho das águas ao redor.
Ao estar naquele ambiente, logo a garota fica hipnotizada pelo magnetismo das ondas e observa atentamente não apenas a vastidão de terra escondida à sua frente como o mistério que ronda a estranha relação entre Styles e seu pai, que desaparece tempos depois em condições desconhecidas.
Já adulta, ela se torna a primeira mulher mergulhadora e conserta os navios que vão ajudar o país durante a guerra. E é nessa circunstância - descrita com texturas claustrofóbicas pela autora -, que Anna reencontra Dexter em uma boate e inicia uma relação improvável com o homem objetivando desvendar o silêncio que ronda a ausência repentina do pai.
Circularidade
Apesar da interessante premissa e da qualidade do texto, "Praia de Manhattan" demora a engatar e tem poucos momentos marcantes. O excesso de descrições sobre práticas como o mergulho (especificações técnicas pululam nas páginas quando a temática é invocada, acrescentando pouco ao enredo) e a redundância na ambientação de espaços tornam alguns capítulos cansativos, além de algumas situações bastante inverossímeis envolvendo supostas coincidências.
Por outro lado, Egan é extremamente hábil em costurar os fatos e conferir circularidade aos eventos, deixando pontas soltas em quase todo diálogo travado entre personagens e fazendo com as falas, sob essa conformidade, possuam pleno sentido conforme a trama avança.
É curioso observar, por exemplo, como a escritora insere informações nos momentos adequados e as retoma de maneira a ampliar a dimensão dos fatos, um prato cheio para leitores atentos a pequenas situações.
O maior trunfo do livro, porém, é mesmo sua protagonista e as situações que envolvem o eu feminino em uma atmosfera onde a testosterona impera. Anna é valente e luta pelo direito de exercer a profissão de mergulhadora - a qual executa tão bem -, ainda que encarando o olhar enviesado dos companheiros de trabalho. A atitude de resistência em uma época que as mulheres sequer podiam realizar algo para além das tarefas imaculadas dos lares é um feito de destaque na história.
Também merece atenção a relação de Anna com a irmã, Lydia, acometida de uma deficiência que a condiciona a ficar totalmente paralisada. Os sentimentos que atravessam as experiências vivenciadas pelas duas rendem boas reflexões sobre como lidamos com o silêncio e o diferente.
Ainda que não possua a mesma pompa da obra-prima de Jennifer Egan, "Praia de Manhattan" atesta o talento da escritora em imergir na ficção histórica de modo a formatá-la da maneira mais atraente possível: mirando no âmago da humanidade de seus personagens que, feito a água, seguem em um fluxo perene e inconcluso.
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Diário do Nordeste

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