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Que mundo é este?

Pe. Manfredo Araújo Oliveira*
O filósofo francês A. Badiou tentando articular uma imagem do nosso mundo, nos põe em contato com algumas cifras fundamentais: 1) Há hoje na Europa 500.000 pessoas infectadas pela Aids. Através das novas terapias desenvolvidas a mortalidade está em queda livre: a grande maioria destas pessoas viverá à custa destes tratamentos. Na África, porém, são 22 milhões de pessoas infectadas. Aqui não existem praticamente medicamentos assim que a esmagadora maioria destas pessoas morrerá.

Sabe-se muito bem que a distribuição de medicamentos a todos estes doentes é perfeitamente possível, basta que os países detentores de meios industriais para sua produção decidam produzir genéricos e entregar a estas populações com um esforço financeiro mínimo, muito inferior aos custos das expedições militares “humanitárias”; 2) As três pessoas mais ricas do mundo possuem fortuna superior ao PIB total dos 48 países mais pobres do mundo; 3) Suponhamos que se queira dar à toda a população do mundo uma alimentação razoável ( 2.700 calorias diárias), água potável e acesso aos recursos da saúde básica. Isto equivalerá aproximadamente ao que os habitantes dos Estados Unidos e da Europa gastam anualmente com perfumes; 4) Consideremos 20% da população mundial mais pobre e 20% da população mundial mais rica.

Nos anos 60, os mais ricos tinham uma receita trinta vezes superior aos mais pobres. Em 1995, esta receita é 85 vezes superior; 5) Em setenta países do mundo (40% dos países) a receita por habitante é inferior em cifras constantes ao que era há vinte anos.

O mais surpreendente é que isto ocorre justamente quando se pode constatar progressos em vários campos da vida humana que contribuem para uma melhora do bem-estar das pessoas, como no âmbito da saúde, da educação, da comunicação.

Tudo isto não impede que milhões continuem vivendo muito precariamente, as diversas formas de violência, a desigualdade, a fome e a miséria persistam, grandes massas continuem como seres descartáveis, consideradas como bem de consumo que se pode usar e lançar fora.

O Papa Francisco nos diz que uma das causas desta situação é o domínio do dinheiro sobre as pessoas e as sociedades. Neste sentido, a grande crise que, desde 2008 abala o sistema financeiro, normalmente nos faz esquecer que em sua raiz há uma profunda crise de ordem antropológica: a negação da primazia do ser humano.

A sociedade altamente desenvolvida de hoje criou novos ídolos: “A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano”. Ideologicamente isto é sustentado por uma teoria econômica que defende a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira.

A ambição do ter e do poder não conhece limites o que se revela com clareza na corrupção ramificada e na evasão fiscal egoísta que assumiram dimensões globais.

Diante de um mercado divinizado seres humanos e meio ambiente se tornam totalmente indefesos. Os desafios no entanto existem para serem superados.

*Manfredo Araújo Oliveira é teólogo, filósofo, escritor e professor de filosofia da UFC - um dos pensadores da Igreja Católica mais respeitados no Brasil e no mundo - manfredo.oliveira@uol.com.br

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