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Novidades do papa que desnorteiam hierarquias

 domtotal.com


Se existe um ponto firme na 'revolução gentil' de Francisco é a ruptura de todo colateralismo.
Por Roberto Monteforte

Nem mesmo um apelo em favor da escola católica, mas muitas e eficazes palavras "de amor" por toda escola e pela sua função social como lugar aberto ao confronto com a realidade: essa foi a escolha do Papa Francisco no encontro do último sábado em Roma com o "povo da escola", as mais de 300 mil pessoas que foram até a capital italiana para o encontro promovido pelos bispos italianos.
 
Com contribuições de realidades diversas, chamou-se a atenção para a emergência da educação. O pontífice também recordou o ensinamento do prior de Barbiana, padre Lorenzo Milani, que dedicou a sua vida ao resgate dos pobres através do conhecimento, permanecendo fiel ao Evangelho e à Constituição.
 
Um lembrete que surpreendeu positivamente também o mundo laico. Os organizadores do encontro de sábado destacaram isso: foi uma escolha "por" e não "contra". Isso não elimina as diferenças sobre os modelos educacionais e sobre os valores que são propostos, mas os coloca em um plano de debate.
 
Aparentemente, não é mais o tempo das Cruzadas e da Igreja usada como bandeira de partidos políticos, como ocorreu com o "Family Day", que viu cimentar a relação entre a Conferência Episcopal Italiana (CEI), presidida pelo cardeal Camillo Ruini, e a centro-direita de Silvio Berlusconi. Um entendimento – sobre os "valores inegociáveis" (como o direito à vida, a família fundada no matrimônio entre um homem e uma mulher abertos à procriação e à liberdade de educação) – que foi posto como uma espécie de discriminante em relação à política e que continuou mesmo depois da "era Ruini", mesmo que o presidente da CEI, Angelo Bagnasco, a colocou em formas menos diretamente políticas e junto com a denúncia da emergência social e do drama do desemprego.
 
Se existe um ponto firme na "revolução gentil" do Papa Francisco é precisamente a ruptura de todo colateralismo. A Igreja da "misericórdia" e da "acolhida", que visa a ser "pobre e para os pobres", não se deixa instrumentalizar. A popularidade desse papa, extraordinariamente comunicativo, cresce justamente porque o vê como testemunha coerente da pastoralidade a que a Igreja foi chamada com o Concílio Vaticano II.
 
Se o bispo de Roma lhe pede para sair das suas próprias seguranças para ir ao encontro das periferias existenciais para "tocar as chagas de Cristo", ele coloca em discussão toda a sua identificação com o poder, mesmo com o eclesial.
 
Os poderosos da Cúria Romana que está prestes a ser revolucionada se deram conta disso. Eles estão tomando as medidas, e as resistência virão à tona quando se aproximar o momento das escolhas: não só a reforma dos dicastérios romanos, mas também sobre a pastoralidade da família, incluindo o nó da comunhão aos divorciados e da capacidade da Igreja de acolher na misericórdia.
 
A "revolução" iniciada pelo "bispo de Roma" também envolve a Igreja italiana. Há expectativa em relação ao que o Papa Francisco irá dizer à assembleia geral dos bispos que iniciará no próximo dia 19 de maio. O episcopado italiano tentando ajustar o passo. É a tarefa que foi assumida pelo novo secretário-geral da CEI – fortemente desejado por Bergoglio – Dom Nunzio Galantino.
 
Mas os políticos italianos também se deram conta disso, tratados com uma certa aspereza pelo Papa Francisco no dia 27 de março passado, quando participaram da missa matinal com o pontífice. Só apertos de mão de obrigação com os presidentes das duas Câmaras por parte do papa "jesuíta", que seria muito duro na sua homilia dedicada aos homens do poder que "se afastaram do seu povo".
 
Usando as palavras de Jesus, chamou-os de "hipócritas", que "cuidam apenas dos interesses próprios e dos próprios grupos", que tem "o coração tão endurecido" a ponto de ficarem insensíveis "às palavras do Senhor" e que, "de pecadores, se tornaram corruptos".
 
O papa – que como arcebispo de Buenos Aires viveu o drama da crise argentina – mantém distância do poder. Ele não quer instrumentalizações ou confusões de planos. Exemplo disso é a determinação com que ele não quis nenhuma autoridade pública e nenhum político durante sua visita à ilha de Lampedusa depois do enésimo massacre de migrantes, para prestar homenagem às vítimas.
 
Lá ele também proferiu palavras fortes de denúncia contra aquela "globalização da indiferença", verdadeira responsável por tantos sofrimentos e mortes inocentes. Certamente, não se trata de desinteresse em relação à política por parte de Francisco. Ao contrário. É o chamado à Igreja para que se empenhe de modo direto em favor dos últimos, mas fora de toda possível dinâmica de troca, de mistura entre interesses político-econômicos.
 
A corrupção é um câncer que acabou alimentando aquela "mundanidade", aquele "carreirismo" e aquela lógica de "corte", que também afetaram setores da Cúria Romana.
 
Bergoglio também chama o laicato católico à "conversão", a serem cristãos verdadeiros. Para isso, ele pede que se livrem de toda "clericalização". Ele foi explícito no seu apelo aos membros da Associação Corallo recebidos em audiência no dia 22 de março passado.
 
Trata-se de "um mal cúmplice", porque envolve os padres que se comprazem com a tentação de clericalizar, mas também muitos leigos, "que, de joelhos, pedem para ser" clericalizados. "Para mim – afirma – o clericalismo impede o crescimento dos leigos".
 
E o seu compromisso específico na sociedade é essencial para Francisco, que assim coloca em pauta a questão ainda em aberto do papel e da autonomia do laicato católico em relação com a hierarquia.
 
Vêm do papa indicações gerais. Assim como sobre o papel do prefeito. Ele falou a respeito no encontro com a Associação Nacional dos Municípios Italianos no dia 5 de abril passado. "Não se entende um prefeito que não esteja no meio das pessoas. Porque ele – destaca – é um mediador em meio às necessidades das pessoas".
 
Ele destaca a diferença entre o mediador e o intermediário, que "explora as necessidades das partes e toma uma parte para si", em vez de "estar disposto para pagar com a sua vida pela unidade, pelo bem estar e pela solução das necessidades do seu povo".
 
Francisco está do lado dos "padres de rua", como o padre Luigi Ciotti, fundador da Libera (a associação contra as máfias e pela legalidade), que, segurando-o pela mão no dia 21 de março passado, o acompanharia na iniciativa de oração por todas as vítimas, realizada em Roma na paróquia de São Gregório VII.
 
Assumirá, com convicção, a luta contra o tráfico de seres humanos, a usura e a legalidade. No dia 11 de abril, recebeu em audiência o Movimento pela Vida. Reiterou o valor da defesa da vida e a condenação do aborto e da eutanásia, mas, mais do que a cruzadas, convidou a "manter o estilo da vizinhança, da proximidade" em relação a toda mulher, que deve ser "ouvida, acolhida, acompanhada".
 
Ele insiste na denúncia daquele "divórcio entre economia e moral", que leva à "cultura do desperdício", que coloca nas margens os mais frágeis e os menos produtivos: crianças e idosos. Ao Movimento pela Vida, que estaria na Praça de São Pedro para a Regina Coeli do domingo, 4 de maio, ele dedicaria uma simples saudação rápida. Alguns ficaram decepcionados. Não é mais o tempo de cruzadas.
L'Unità, 12-05-2014.

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