Pular para o conteúdo principal

Ecumenismo, o ritmo de Bergoglio

 domtotal.com

Papa Francisco muda de ritmo, adotando uma linguagem própria do movimento ecumênico.

Por Paolo Naso*

À distância de alguns dias da visita "privada" do papa Francisco à Igreja Evangélica Pentecostal da Reconciliação de Caserta e ao seu pastor, Giovanni Traettino, parece-nos útil voltar a um fato que, independentemente do que se pense em matéria de ecumenismo, incidirá no futuro das relações entre as Igrejas cristãs. E por várias razões.
 
A primeira é de forma linguística, e basta salientar que, no vocabulário católico, sempre correspondeu a ela um preciso conteúdo teológico ou eclesiológico. Definir como "seita" ou como "comunidade eclesial" aquela que se propõe como uma Igreja cristã nunca é um acidente lexical, mas expressa um preciso juízo sobre o mérito.
 
Francisco dirigiu-se ao pastor Traettino chamando-o repetidamente de irmão e pastor, definindo-se, depois, a si mesmo, como "pastor dos católicos". Uma simetria de linguagem que não passa despercebida.
 
Um segundo elemento de destaque do discurso de Francisco é o que mais impressionou os observadores: a referência às leis fascistas que reprimiram e impediram o culto pentecostal por ser nocivo à "pureza da raça".
 
A surpresa está no fato de que a famigerada circular Buffarini Guidi de 1935, que marcou uma virada persecutória contra um componente do evangelismo italiano, é uma página pouco conhecida dos anos da ditadura: até mesmo subestimada, se pensarmos que ela antecipava temas e procedimentos depois incluídos nas leis raciais promulgadas em 1938.
 
Francisco não teve medo de tirar do armário o esqueleto daquele episódio de que até mesmo os católicos foram cúmplices – como ele quis enfatizar. Ainda hoje, essa circular, que envolveu a prisão e o envio ao exílio de alguns pentecostais, assim como o fechamento de dezenas de Igrejas em toda a Itália, é uma ferida aberta na consciência civil nacional: o fato de ter se lembrado dela não foi uma simples "concessão" aos pentecostais, mas também pode ser interpretado como a denúncia de um caminho da liberdade religiosa que, na Itália, era e continua sendo particularmente tortuoso.
 
Terceiro elemento, o pedido de perdão por aquelas normas que matavam a liberdade de culto e de consciência: sobriamente, com palavras proferidas de improviso, mas não improvisadas, o papa pediu perdão por "aqueles irmãos [católicos] que estiveram do lado do diabo".
 
Ouvidas essas palavras, alguns logo pegaram a caneta vermelha e sublinharam que a responsabilidade daqueles procedimentos foi do Estado e não de alguns católicos; outros quiseram salientar que o papa pediu perdão pelo erro de "católicos" e não da "Igreja Católica": observações talvez compartilháveis no mérito, mas não relevantes, no entanto, em relação à substância do raciocínio e da atitude do papa, que admitiu que os seus irmãos na fé foram corresponsáveis por escolhas que feriram no espírito e na carne milhares de homens e de mulheres.
 
Uma quarta razão para olhar com interesse para o encontro de Caserta não diz respeito ao que foi dito, mas ao que não foi (mais) dito. Há anos, de fato, a cúpula vaticana responsável pelas estratégias ecumênicas destacavam a convergência entre católicos e evangélicos – e entre eles também incluíam os pentecostais – sobre questões éticas: leis sobre o aborto, reprodução assistida, reconhecimento dos casais do mesmo sexo. Quase como se se dissesse: "divididos no fronte teológico, encontramo-nos unidos no ético da contraposição a uma modernidade secularizada e desprovida de valores".
 
Esboçado por João Paulo II, esse raciocínio foi reforçado com Bento XVI, que fez dele uma verdadeira estratégia ecumênica. Francisco inverte a rota, não fala de ética, mas da unidade dos cristãos na figura de Jesus.
 
Quinta e última consideração, intimamente ligada à anterior: se assim é com o Papa Bergoglio, arquiva-se aquela estratégia de ecumenismo "em etapas" teorizada e praticada nos últimos anos do pontificado de Bento XVI. O ecumenismo de primeira linha com os ortodoxos, o de segunda com os anglicanos, desde que não radicalizem as suas posições em matéria de consagração das mulheres e sobre alguns temas éticos, depois com os evangélicos com os quais Roma compartilha valores "inegociáveis" e, depois, pouco a pouco, luteranos, reformados, metodistas, batistas... Um esquema não mais circular – os famosos raios da roda que convergem em Cristo –, mas piramidal e hierárquico.
 
Também a esse respeito o Papa Francisco muda de ritmo, adotando uma linguagem própria do movimento ecumênico, com a qual o protestantismo – também italiano – contribuiu ricamente: ecumenismo não como esfera da "uniformidade" – afirmou Bergoglio diante dos pentecostal da Igreja da Reconciliação –, mas como "poliedro", "uma unidade com todas as partes diferentes. Cada uma tem a sua peculiaridade, o seu carisma. Essa é a unidade na diversidade".
 
Alguns criticaram o fato de que o papa tenha confiado essa mensagem a um pequeno componente da grande e heterogênea família pentecostal italiana: a Igreja da Reconciliação, de fato, não tem relações com as mais consistentes Assembleias de Deus na Itália (ADI) ou com a Federação das Igrejas Evangélicas Pentecostais (FCP).
 
Mas, nesse caso, a mensagem nos parece ser mais relevante do que o destinatário, e, em todo o caso, nada parece impedir um diálogo que poderia se ampliar e incluir outros membros do mundo pentecostal. Desde que estas o queiram e escolham compartilhar o caminho ecumênico de algumas redes pentecostais mundiais que há anos participam de diálogos ecumênicos com a Igreja de Roma: os textos católico-pentecostais comuns sobre a Koinonia (1989), sobre o proselitismo (1997) e sobre a conversão a Cristo a partir dos textos patrísticos (2006) demonstram a viabilidade de um debate que antigamente era difícil até de se imaginar.
 
Depois dos encontros com os representantes das grandes famílias do protestantismo, a fraterna citação dos valdenses, o relançamento do ecumenismo como caminho da unidade na diversidade: podemos até ficar "ecucéticos" e até "ecudesconfiados", mas é difícil não reconhecer uma mudança de ritmo no caminho ecumênico do papa argentino.
NEV – Notizie Evangeliche, 13-08-2014.
*Paolo Naso é politólogo e coordenador do mestrado em Religião e Mediação Cultural pela Universidade La Sapienza de Roma. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Comentários