Pular para o conteúdo principal

Valeu, Betinho

COLUNA

Flávia Oliveira
Flávia Oliveira Foto: O Globo
FLO@OGLOBO.COM.BR SOCIEDADE

Flávia Oliveira Foto: O Globo
21/09/2014 6:00

Sociólogo pôs o combate à fome no topo da agenda brasileira, em 1993. Duas décadas depois, agência da ONU atesta erradicação

Quem escreveu foi a FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura. Num relatório mundial apresentado em meados da semana passada, informou que o Brasil, nesta década, rompeu (para o bem) o limite estatístico da insegurança alimentar. Em português claro, significa que a fome já não é a maior chaga nacional. A proporção de famintos caiu para 1,7%, bem abaixo do nível de 5% a partir do qual as nações são lançadas no mapa múndi da indigência. A entidade estima em 3,4 milhões o total de brasileiros que ainda passam fome. Não que o número, quase a população inteira do Uruguai, seja motivo de orgulho. Mas, duas décadas atrás, pelas contas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), era oito vezes maior.

Tem nome, sobrenome e apelido o brasileiro que indicou ao país a mazela a ser superada. Pelos idos de 1993, Herbert de Souza, o Betinho, chegou à conclusão que democracia e miséria não combinavam. O Brasil acabara de tirar do cargo Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura. Numa carta, o sociólogo e seus parceiros denunciaram a extrema pobreza no país. Nascia ali, num mês de abril, a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. Houve shows e campanhas, uns após outros, para arrecadação de alimentos e dinheiro, distribuídos aos mais pobres na forma de cestas básicas. No fim daquele ano, o primeiro Natal Sem Fome recolheu 580 toneladas de alimentos, entregues a 290 mil brasileiros miseráveis.

A fome entrou na agenda brasileira para nunca mais sair. A segunda metade dos anos 1990 foi dedicada à estabilização da moeda. O Plano Real pôs fim à hiperinflação e devolveu poder de compra às famílias brasileiras. Quem era adulto na época do governo Fernando Henrique Cardoso há de lembrar do salto nas vendas de frango e iogurte.

Na virada do século, os governos de Lula e Dilma Rousseff se comprometeram com a erradicação da miséria, recém-atestada pela FAO. Numa publicação de uma centena de páginas dedicadas ao Brasil, a entidade lista Fome Zero, Bolsa Família, merenda escolar, agricultura familiar, reajustes do salário mínimo e aumento da renda real como fatores que permitiram a queda expressiva da fome, da desnutrição e da subalimentação no país, nos últimos anos.

Governos de ontem e de hoje festejam seu quinhão. Mas tudo começou com a indignação e a capacidade de mobilização do homem que Aldir Blanc e João Bosco eternizaram como “irmão do Henfil” na canção “O bêbado e a equilibrista”. Foi Betinho quem pautou o Brasil para o combate à miséria. A agenda nascida da sociedade civil, encampada pelas instituições formais e, duas décadas depois, (quase totalmente) resolvida é prova de que a democracia brasileira dá frutos. Mesmo lentamente, avança.

Semana passada, a Pnad 2013, do IBGE, deu pistas sobre a nova empreitada. O paradigma a ser rompido é o da educação. A caminhada começou. A taxa de analfabetismo dos maiores de 15 anos caiu de 12,4%, em 2001, para 8,5%, no ano passado. Entre os que têm menos de 30 anos, não passa de 3%. A proporção de crianças de 4 e 5 anos matriculadas na pré-escola saiu de 70%, em 2007, para 81,4%, em 2013. Mais de 98% dos miúdos de 6 a 14 anos estudam. São crescentes a escolaridade média da população e a participação de pessoas com nível superior entre os trabalhadores. Avante.

LEIA TODAS AS COLUNAS...

Comentários