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O grito da banshee - Gilmar P. da Silva SJ*

17/10/2014  |  domtotal.com

Não te dá vontade, de vez em quando, de sair gritando? Parece que os impulsos naturais vão sendo guardados e convertidos em uma espécie de energia que pede para sair como som ou movimento. Sair gritando, então, seria uma combinação perfeita! De fato, nossa cultura nos ensina a não seguir todo e qualquer instinto, caso contrário, cairíamos em barbárie. Não obstante, matar o animal que somos também seria doentio. Há uma dialética que deve ser mantida.

O fato é que ficamos, dependendo do trabalho que se tenha, horas à fio sentados enquanto o impulso natural nos impele ao movimento. Que o digam estudantes e pesquisadores! O corpo foi domesticado a permanecer sentado em uma cadeira até que se tenha assimilado o conteúdo em estudo. Aí chega uma hora que a cabeça cansa, o corpo se agita, os impulsos naturais crescem... Mas não fica por aí. Há também os impulsos socializantes que se achegam. O desejo de relação, de interagir, de sair da tarefa solitária do estudo e da pesquisa e ir ao encontro do outro vai crescendo. Ao fim de tudo, ficar em uma cadeira é sentir o peso de ser o que se é, animal e relacional.

Os projetos que priorizam a razão em detrimento do corpo verão nessa domesticação um sinônimo de evolução e louvarão os corpos sentados/sedados. Estes podem ser, inclusive, educadores e pais que, diante de uma criança que não consegue ficar sentada por muito tempo, elucubrarão a possibilidade de um medicamento: “Será que esse menino não precisa de ritalina?”. O impulso ao movimento virou doença e sadios são os que permanecem sedados. Mas essa estado de imobilidade foi trazendo outros problemas. Por isso criaram-se espaços para se romper com a inércia, as academias. Ali a agitação é autorizada. Desse modo, não me parece que a busca por tais lugares seja simples culto ao corpo – pode ser também, mas não só –, consiste em um grito do corpo que se percebe excluído de grande parte dos processos humanos, principalmente o de aprendizagem. Há muito saber dito racional e pouco saber empírico, que envolva a corporeidade e seus afetos.

O corpo também desenvolve conhecimento. Aliás, ele é composto de uma coleção de informações que adquire em suas trocas com o ambiente onde se encontra. Corpo e o ambiente estão em um fluxo contínuo de câmbio de informações em todos os sentidos. Trata-se de uma espécie de “interferência contaminatória”, como diria a pesquisadora Helena Katz. A maciez de um acento, a temperatura do ar, os sons que tocam o ouvido e vibram o corpo etc., todos esses dados interagem com o corpo e o vão constituindo. Ele guarda em si a memória de todos os seus encontros, o que influi no seu jeito de andar, de dançar, de sentar, de se mover. Ou seja, o corpo expressa em si toda a sua história e aquilo que é, é mídia de si mesmo.

Silenciado nas cadeiras, simulando movimento pela velocidade das imagens nas telas que assiste, o corpo é oprimido na expressão de si. Ele quer dançar. O desejo de sair gritando é sinal de uma insurreição dos corpos que se anuncia, prenúncio da morte de um modelo de sociedade fundada na razão instrumental que não serve mais. Se não dá para gritar, ao menos dá para sair e dançar, cantar e celebrar a vida. Um brinde ao corpo movente!
 
Pra dançar

Para quem quer dançar, indico o Samba da Madrugada, que acontece de sábado para domingo (2 às 6h), na praça Duque de Caxias, 120, Santa Tereza. Os shows ao vivo, com música de raiz, prometem não deixar ninguém parado.
 
Para pensar a dança

Para quem ainda se sente meio estático e precisa do movimento alheio para ter coragem de dançar, haverá um espetáculo no espaço Oi Futuro-BH, no dia 30 de Outubro, às 21h. “Sobre expectativas e promessas”, do grupo Cena 11, de Florianópolis, traz reflexões sobre o movimento e as possibilidades que se abrem em sua relação com o passado; trata-se de uma metalinguagem do movimento. A apresentação faz parte de uma programação maior, o FID (Fórum Internacional de Dança), que continua nos dias 1, 2, 6 e 7 de novembro.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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