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Direitos Cósmicos e Espiritualidade

13/12/2014  |  domtotal.com

Nessa quarta feira, o mundo celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, emitido no 10 de dezembro de 1948. Comumente, a sociedade dominante apresenta os Direitos Humanos apenas como campo de inviolabilidade individual. Nele se destacam os direitos liberais de ir, vir, comprar e consumir.

Nas últimas décadas, quem mais invoca a Declaração dos Direitos Humanos são os impérios ocidentais. Eles insistem nesses direitos individuais, mas para tê-los o passaporte necessário é o dinheiro. Nesse tipo de sociedade, a pessoa só é cidadã se puder ganhar e consumir. Ao mesmo tempo que prega direitos individuais para ganhar mais dinheiro, o governo dos Estados Unidos e seus aliados têm invadido países, torturado e assassinado pessoas e destruído civilizações e culturas humanas. Mesmo nos países que eles não invadem, violam a justiça internacional e patrocinam golpes e financiam os piores partidos políticos, sempre à sombra dos direitos humanos e até do nome de civilização cristã.

As antigas civilizações da Ásia, Oceania e África, assim como as comunidades índias e afrodescendentes da América insistem que os direitos não são apenas individuais e sim comunitários e coletivos. Também não isolam direitos humanos do cuidado com a mãe-terra, dos animais e de todos os seres vivos que se tornam assim, de alguma forma, sujeitos de direitos. É uma outra concepção de direitos humanos. É dever das pessoas de bem, das comunidades e organizações sociais incorporar em seu trabalho essas concepções contra hegemônicas e alternativas dos Direitos Humanos. O amor incondicional e solidário nos leva a assumir a responsabilidade ética pelos mais frágeis e marginalizados por essa sociedade cruel. No entanto, além de solidarizar-se à luta dos lavradores, índios, negros, mulheres oprimidas e todas as categorias de alguma forma vítimas da sociedade excludente, essa solidariedade nos leva a um novo modo de pensar e viver a relação com a Terra, a água, a natureza, os animais e todo ser vivo.  Também, a Terra, as águas, os animais e as plantas precisam ser cuidados e defendidos. Não podemos tratá-los como se fossem meras mercadorias. Conosco eles formam uma grande teia de relação que é como uma comunidade: a comunhão da vida.

Esse modo de viver e compreender a vida e os direitos humanos faz parte de uma cultura amorosa que compreende e pratica a Espiritualidade como forma de viver plenamente humana e humanizadora. As tradições religiosas têm como missão ajudar as pessoas a aprofundar esse sentido mais profundo da vida. Infelizmente, ainda há muita gente que confunde Espiritualidade com Espiritualismo e trata a fé como se se tratasse de um assunto meramente íntimo da relação livre do fiel com uma divindade. A mística francesa Simone Weil afirmava: “Eu reconheço quem é de Deus não quando me fala de Deus, mas pelo seu modo de tratar as outras pessoas”.

Todas as religiões, de uma forma ou de outra, reconhecem: o divino só pode ser encontrado realmente no humano. A espiritualidade, religiosa ou não, faz da defesa dos direitos do ser humano e da natureza um método de intimidade com o Divino, presente no mundo. No século II, Irineu, pastor da Igreja de Lyon, ensinava: “Como você poderá divinizar-se se ainda nem se tornou humano? Antes de tudo, garanta a condição de ser humano e, assim, poderá participar da glória divina”.

Marcelo Barros
Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo especializado em Bíblia. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). Assessora as comunidades eclesiais de base e movimentos sociais como o Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST). Tem 45 livros publicados dos quais está no prelo: "O Evangelho e a Instituição", Ed. Paulus, 2014. Colabora com várias revistas teológicas do Brasil, como REB, Diálogo, Convergência e outras. Colabora com revistas internacionais de teologia, como Concilium e Voices e com revistas italianas como En diálogo e Missione Oggi. Escreve mensalmente para um jornal de Madrid (Alandar) e semanalmente para jornais brasileiros (O Popular de Goiânia e Jornal do Commercio de Recife, além de um jornal de Caracas (Correo del Orinoco) e de San Juan de Puerto Rico (Claridad). 

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