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Cantinho do leitor

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Com a web, surgiu uma nova recompensa: sugestões de crônicas que me chegam inbox.

'São ideias às vezes raivosas, outras românticas, certas surreais - mas todas sinceras'.

Por Fernando Fabbrini*
 
Sabe-se lá por que, escrevo e invento histórias desde criancinha. Comecei a tomar gosto por este ofício quando minha obra de estreia “O Mistério da Floresta” - duas páginas de papel almaço com letra caprichada - ganhou o concurso de composições infantis da 2ª Série do Grupo Escolar de Demonstração do Instituto de Educação, com direito a beijo da professora. Ah! Rosebud, Rosebud! Pouco a pouco fui descobrindo alegrias exclusivas dessa classe à qual pertencem os amigos Afonso Barroso, Tião Martins, Laura Medioli, Marco Lacerda, Ethel Kakowicz, Júnia Carvalho, Ângela Fonseca, Max Velati e tantos outros escribas que por aqui sapecam suas bem traçadas linhas.

Um dos primeiros prazeres de quem escreve é egoísta e solitário: consiste em remexer as palavras, dando sentidos claros e dúbios às frases, divertir-se com a batucada no teclado – algo próximo à felicidade do cozinheiro quando pica um maço de cebolinhas, assoviando, enquanto a cabeça voa à larga. Outro prazer sublime é descobrir que nossa garrafa atirada ao mar alcançou o náufrago da ilha deserta; constatar que o leitor chegou à última linha do nosso texto e isto o fez sentir-se bem, menos solitário, pertencente a uma tribo, algo assim.  

Com a web, surgiu uma nova recompensa: sugestões de crônicas que me chegam inbox. São ideias às vezes raivosas, outras românticas, certas surreais - mas todas sinceras, nomeando-me porta-voz momentâneo de angústias, paixões, indignações de ordem política, comportamental e social.  Pensam que eu jogo fora? Naninha! Algumas são impublicáveis, porém hoje selecionei um punhado para abrilhantarem nosso cantinho do leitor.
“Prezado Fabbrini: é preciso dizer alguma coisa sobre as mulheres que usam aquele perfume terrível chamado Lulu com um calorão desses. Outro dia passei mal dentro do elevador; meu escritório fica no vigésimo andar – o mesmo dela! Não é um caso de saúde pública?” Respondi à vítima que não; talvez fosse um caso para o IBAMA. Aves domésticas, como as peruas, não podem ser utilizadas como merchandising.  
“Querido Fernando: quando estiver sem assunto, fale dos chicletes jogados no chão. Quase morro de ódio quando piso em um.” Eu também, querida leitora. Mas até hoje reluto em retirar de um velho tênis os vestígios de um Ping-Pong de hortelã adquirido durante um show em 1979. Temo que tenha sido mastigado por Bob Marley, o que faz da goma uma relíquia.
“Senhor Fernando Fabbrini, não o conheço, mas às vezes leio suas crônicas. Que tal escrever coisas tipo Paulo Coelho, sabedorias secretas e místicas?” Ora, quem sou eu para ter acesso às sabedorias secretas e místicas? E o famoso autor já alcançou o nível máximo de iluminação - Supremo Mestre Coelho Fosforescente da Montanha Sagrada - um patamar inatingível nesta encarnação para um humilde cronista do cotidiano, como eu.
No meio de tantas conversas virtuais, troquei e-mails com um incógnito, de alcunha Triceratops, cuja primeira mensagem me intrigou: “Caro Fernando, o mundo anda muito complicado. Sinto saudades dos tempos das cavernas.” Provoquei-o, interessado: “Mas, por que, Sr. Triceratops?” Respondeu-me o saudosista: “Ah, era muito mais simples. Homem caçava mamute; mulher cozinhava mamute; homem e mulher comiam mamute junto à fogueira. Depois brincavam de achar a pedra lascada no escurinho e iam dormir em paz.”
Sábia reflexão. Naquela época ninguém precisava escrever para se comunicar, bastava rugir no tom certo. É o que tentamos fazer, apaziguando os grunhidos da alma a cada ponto final.
                                           
Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.

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