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Francisco, continuidade e ruptura


Parece que Bergoglio gosta de ser o bispo de Roma, só não quer assustar demais os adversários.
Por Francesco Peloso
Um mestre do golpe de cena. No dia em que se celebravam os dois anos de pontificado, Bergoglio, primeiro, conseguiu evocar em uma entrevista o tema da sua renúncia para, depois, anunciar de surpresa um Ano Santo extraordinário dedicado à misericórdia: o que de mais clássico pode propor o menu eclesial em matéria de tradição pontifícia.
Só que o Ano Santo de Francisco não será igual ao de outros papas: nada de capas douradas como João Paulo II, que cruzou na noite de Natal de 1999 a Porta Santa da Basílica de São Pedro, já doente, encurvado sobre si mesmo, deslumbrado pelas luzes das transmissões televisivas. O ponto mais alto da Igreja triunfante.
Bergoglio não vai ceder às pompas papais, o estilo é outro, e misericórdia é, justamente, a palavra-chave do pontificado que significa, no magistério de Francisco, perdão, acolhida, atenção aos pobres.
É a "Igreja hospital de campanha", onde entram todos, incluindo os pecadores, e tratam-se as feridas. O contrário daquela "Igreja alfândega", em que é preciso ter os documentos regularizados antes de entrar.
E, para passar a sua mensagem, Francisco não hesita em usar o instrumento da tradição, sinal de que o modelo de Igreja proposto está, ao mesmo tempo, em continuidade e em ruptura com o passado, Ecclesia semper reformanda, segundo a conhecida fórmula (depois, cada papa decide até que ponto).
Roma agradece pelos turistas
Um jubileu que marcará, contudo, um clamoroso influxo de peregrinos em Roma, ainda mais quando é ele, o próprio papa, que atrai as multidões. Assim, enquanto em alguns jornais já se fazem as contas do negócio-jubileu, a capital italiana agradece aos céus por ter Bergoglio, que é como um ímã para turistas e fiéis, e faz a cada dia o milagre de lotar hotéis e restaurantes.
A Igreja, de sua parte, se prepara para seguir o pontífice argentino sem poder respirar muito mais, sobrecarregada pela série de iniciativas surpreendentes.
Olhando de perto, portanto, esse não parece ser um papa que pensa na renúncia, ao contrário, se diria que Bergoglio gosta de ser o bispo de Roma, só não quer assustar demais os seus adversários; "Fiquem tranquilos – faz entender –, eu vou embora logo", mas, depois, acrescenta: "Talvez".
Francisco, depois de dois anos de pontificado, entendeu que em Roma é preciso usar também a arte da dissimulação, que os disparos de canhão contra o quartel-general da Cúria devem ser acompanhados por algum abrandamento, por alguns desvios de obstáculo.
E, depois, aquela nostalgia de que fala – ir à pizzaria sem ser reconhecido – talvez seja verdadeira, mas é ele o primeiro a saber que, mesmo que voltasse a ser simplesmente o porteño com alguns amigos em uma taverna da Boca, nada seria como antes.
O Jubileu extraordinário começa no dia 8 de dezembro, a 50 anos do fim do Concílio Vaticano II, a estrela-guia do magistério de Bergoglio, mas foi pouco ressaltado o fato de que ele também começa perto do fim do segundo Sínodo sobre a família (outubro de 2015), aquele que deve tomar decisões importantes.
Então, a indicação do papa se torna mais clara: o Sínodo poderá até se concluir com formulações elípticas, que contenham uma coisa e o seu contrário, sobre divorciados, homossexuais, casais de fato, solteiros, famílias em crise e assim por diante. Mas o caminho é o da abertura ao mundo que não muda a doutrina, mas escuta, na clássica acepção conciliar, os sinais dos tempos.
Assim, da mesma forma, se a reforma da constituição apostólica Pastor Bonus, o texto que organiza a Cúria vaticana, custa a decolar por causa de resistências, burocracias que não largam o osso, cadeiras puxadas de um lado e do outro, Bergoglio, o peronista, para fazer explodir a tampa, recorre ao povo, ao Jubileu, à onda humana que tudo subverte.
O papa vai renunciar?
Aposta insidiosa, não necessariamente vencedora, mas o papa gosta da política, gosta do risco e, acima de tudo, pensa que aqui se joga a partida decisiva para a sobrevivência da Igreja.
Por isso, na mesma entrevista à emissora mexicana Televisa em que fala de renúncia, ele define a Cúria como "a última corte da Europa", e a referência é às cortes de antigamente, aquelas que decidiam o destino dos povos, em que os soberanos tinham um poder absoluto.
Em suma, ele não fala do atual Buckingham Palace e dos vestidos de cor salmão de Elizabeth II e, sempre pelo mesmo motivo, nomeia os cardeais também nas Ilhas Tonga e no Panamá –  deixando atônitos os tradicionalistas – e pensa em um Sínodo que, com o tempo, se torne órgão decisional e não mais consultivo.
Mas resta a interrogação: mais cedo ou mais tarde, o papa vai renunciar? Já existe um papa emérito, Ratzinger, e, a partir disso, a resposta de Bergoglio sobre o tema se torna interessante: "Não devemos considerar Bento como uma exceção, mas como uma instituição. Talvez ele seja o único em muito tempo, talvez não seja o único. Mas é uma porta aberta institucional. Hoje em dia, o papa emérito não é uma coisa rara, mas se abriu a porta para que isso possa existir".
A porta está aberta, Bergoglio vai decidir quando. Enquanto isso, o Jubileu se conclui no dia 20 de novembro de 2016. No mesmo ano, Francisco fará a sua esperada viagem à Argentina.
Internazionale, 14-03-2015.
*Tradução de Moisés Sbardelotto.

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