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BOLO COM CAFÉ

A introspecção servia para que você descobrisse as suas próprias tábuas de salvação.
Ilustração: Marguerita Bornstein, de New York.
Por Lev Chaim*
Caminhava com o meu cão e encontrei-me com uma jovem viúva, cujo marido havia morrido há pouco tempo, aos 58 anos, fulminado por um câncer que o levou em apenas 4 meses. Sobraram-lhe os dois filhos (um de quinze e o outro de treze) e o cachorro. O sol estava esplêndido, azul, frio e sem vento. Mas esta jovem senhora caminhava perdida em si própria.
Ao ver isto, dei-me conta de que ela estava num processo de dor a conta-gotas, como se tudo fosse parte de uma tristeza infinita. Foi ai que me empenhei numa conversa que teve três palavrinhas iniciais: “Oi, bom dia!” Ela, de cabeça baixa, me respondeu da mesma forma e continuou ao meu lado. Não desisti e dei-me a liberdade de entrar direto na ferida.
“Realmente o seu marido morreu muito cedo. Mas a morte, de qualquer forma, será o destino de todos nós, mais cedo ou mais tarde”.  Ela parou, olhou-me com lágrimas nos olhos e disse: “Eu sei disto, mas ele foi antes do tempo, muito jovem, com filhos pequenos que necessitam de um pai”. Coloquei minha mão em seu braço e disse docilmente: “Você tem toda a razão, muito cedo”.
Foi ai que ela me olhou bem nos olhos e começou a chorar, com soluços fortes, sentidos, de fazer doer a alma. Depois de uns instantes, soltei esta: “No céu as datas são marcadas em segredo”. Ela parou de soluçar e perguntou com os olhos arregalados: “Acredita que ele tenha ido para o céu? Acredita em céu?”
Olhei-a seriamente e respondi: “Acredito cem por cento que exista alguma tipo de céu, nem que for para guardar a energia que tínhamos de quando estávamos vivos”. Ela escutou em silêncio e disse: “Sim, é o que também creio”. Naquele instante percebi que necessitava dar-lhe a certeza de que o seu marido estaria salvo em algum lugar. 
No final da caminhada, convidei-a para a minha casa para um café com bolo. Ainda bem que ainda tinha aquele bolo que havia assado na sexta. Ela se deixou levar, parecendo aliviada, pensei comigo. Servi o café e o bolo. Aos cães, dei um ‘biscoitinho’.
Ao refletir, agora, sobre tudo isto, cheguei à conclusão que a introspecção servia para que você descobrisse as suas próprias tábuas de salvação para os momentos de desespero. Para mim, ao falar com toda a convicção em céu, de uma forma ou de outra, acabei por descobrir uma outra forma de ‘céu’: ‘ajudar quem necessita de ajuda’.
Ao sair de casa, ela me agradeceu com estas palavras simples, mas belíssimas: “Este bolo e este café foram o meu céu neste momento, muito obrigado; vou agora mais contente esperar os meninos voltarem da escola”.
Neste mesmo instante, lembrei-me de uma frase que havia lido há bem pouco, atribuída a Buda: “As pessoas não entram em pane porque elas sejam fracas, mas porque elas foram fortes muito mais tempo do que você próprio imagina”. 
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal.

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