Pular para o conteúdo principal

CARTA DA MISERICÓRDIA

Por Dom Pedro Brito Guimarães*
Amado, amada de Deus, tenho sede! Por recomendação do orientador do nosso retiro, dom Edson Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira - AM, como compromisso do pós-retiro, escrevo esta Carta da Misericórdia a vocês, delitos, filhos e filhas. Estamos em plena vigência do Ano da Misericórdia. Quando da abertura deste ano, em oito de dezembro de 2015, prometi a mim mesmo e a vocês, viver todos os dias deste Ano Santo cumprindo pequenas ou grandes obras de misericórdia corporais e espirituais. Tenho cobrando cotidianamente de mim o cumprimento desta promessa. Não está sendo fácil, mas, com a graças de Deus, tenho me esforçado. A primeira providência foi pedir a Deus esta graça. Pedi-la é a primeira obra de misericórdia. Sem ela não se faz nada de misericordioso. Uma pessoa sem misericórdia é como uma terra desmatada, na qual só nasce carrapicho; uma fonte de água que ninguém vai lá beber, um dia sem os raios de sol, uma noite sem estrelas, uma comida que nem cachorro se atreve experimentá-la. Sem misericórdia não se pode viver. Na misericórdia estão comprometidos o presente e o futuro da humanidade aqui na terra. Como uma voz que clama no deserto, o papa Francisco diz: “Faço um apelo à consciência dos governantes para que consigam um acordo internacional para abolir a pena de morte. E proponho aos católicos que cumpram um gesto de valentia: que nenhum condenado seja executado durante o Ano Santo da Misericórdia. O mandamento ‘não matarás’ tem um valor absoluto e diz respeito tanto aos inocentes como aos culpados”. 
 A sociedade em que vivemos é uma sociedade no limite da tolerância e da convivência fraterna. Qualquer coisa que se faça ou se diga é motivo para o estranhamento dos ânimos. O papa Francisco diz que estamos vivendo a terceira guerra mundial em fases, em etapas e em doses homeopáticas. Lamentamos que isto esteja ocorrendo, tanto em escala mundial, quanto em nível das relações interpessoais, na família, na Igreja e na sociedade. Deus é misericórdia, Jesus é rosto da misericórdia do Pai e a Igreja é a casa da misericórdia. Toda vez que perdemos de vista a misericórdia para ficar preso à mesquinhez de uma pessoa, à fragilidade de um determinado grupo, ao erro de um determinado período histórico, perdemos a capacidade de contemplar o infinito amor misericordioso de Deus agindo em nós. Deus é infinitamente maior do que os nossos pecados. Entender a misericórdia de Deus é não amesquinhá-la, perdendo tempo com fofocas e picuinhas que ameaçam fechar a comunidade em si mesma e isolar os grupos. Por isto, faço minhas estas palavras de Paulo: “Já disse muitas vezes a vocês e agora repito chorando: há muitos que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles é o que é vergonhoso, pois só pensam nas coisas terrenas” (Fl 3,18-19).
O nome de Deus é misericórdia. Em Deus a misericórdia é visceral, nasce do seu íntimo, da sua entranha, do seu ventre e do seu útero. Sou duplamente filho da misericórdia. Meu pai biológico chamava-se Clemente. Este também é o nome de meu Deus. Deus é fiel, clemente, compaixão, piedade, lento na cólera, cheio de amor, justo e compassivo (Sl 103, 116 e 145). E tudo o que Ele faz tem a marca da sua misericórdia, é carícia e fruto do seu amor misericordioso. Foi por misericórdia que Deus criou o mundo e o torna fecundo cotidianamente. Jesus, Rosto transluzente da misericórdia, humanizou a misericórdia do Pai: “trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano” (GS 22). Ouço, de vez enquanto, alguém se queixar de um gesto ou uma palavra que fiz, disse, deixei de dizer e de fazer. Confesso que, às vezes, tirei da paróquia quem não queriam que eu tirasse ou deixei quem queriam que eu tirasse. Não ouvi como devia quem me procurou para falar; não abençoei quem me pediu bênção; não ajudei economicamente a quem me pediu ajuda; não perdoei quem me ofendeu; não acolhi quem errou; não fui misericordioso como o Pai. Em alguns casos, não tinha condições de ajudar, mas poderia ter agido diferentemente. Por todas as vezes que assim me portei, peço o perdão e a misericórdia de vocês por estes meus erros.
Como todo ano, durante a Quaresma, me proponho ir às comunidades para as Estações Quaresmais. Elas já estão agendadas. Este ano, são em torno de trinta Estações Quaresmais. Nelas quero exercer o meu ofício de misericórdia. Mas quero experimental, de igual modo, a misericórdia de vocês. Prometo passar pelas nove portas santas, espalhadas pelo território da arquidiocese de Palmas, com suplicante grito de misericórdia por mim e por vocês.
“Meus irmãos e minhas irmãs, a quem eu quero bem e dos quais sinto saudade, minha alegria, minha coroa, meus amigos, continuai firmes no Senhor” (Fl 4,1). Que Maria, Mãe da Misericórdia, nos ajude a sermos misericordiosos como o Pai é misericordioso. Um santo e abençoado Ano da Misericórdia para todos!
CNBB 23-02-2016.
*Dom Pedro Brito Guimarães: Arcebispo de Palmas (TO)

Comentários