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DAVOS 2016

A ginja do pudim da globalização.
Por José Couto Nogueira*
Na penúltima semana de Janeiro, lá se reuniram mais uma vez os ricos e poderosos da economia global, no chamado Fórum Económico Mundial, em Davos, Suíça. Dois mil e quinhentos participantes escolhidos a dedo, do investidor com preocupações sociais, George Soros, ao político mais odiado da Europa, Wolfgang Schauble, passando pelo economista mais chique do ano transato, Alexis Tsipras. E as pessoas comuns lá fizeram novamente a pergunta: “Para quê?”
O World Economic Forum (WEF) é na realidade uma fundação suíça, inventada em 1971 professor de economia Klaus Schwab, com o objetivo de “melhorar a situação mundial, envolvendo líderes dos negócios, da política, da academia, e outros, para debater soluções globais, regionais e industriais.” A fundação é financiada por mil empresas globais com um volume de negócios mínimo de cinco biliões de dólares.
A partir de 1973, o ano da Guerra Israelo-Árabe e do colapso do acordo de Bretton Woods, a reunião alargou o seu âmbito às questões sociais e passou a contar com a participação de líderes políticos. Estes, vindo de todas os continentes e de variadas ideologias, passaram a utilizar Davos como uma plataforma neutra onde poderiam ter conversações – e atirar farpas uns aos outros – impossíveis de concretizar pelas vias diplomáticas tradicionais. Há uma “Declaração de Davos” feita conjuntamente, em 1988, entre a Grécia e a Turquia, evitando assim a guerra entre os dois países. Em 1992, o então Presidente branco da África do Sul, F. W.de Klerk, encontrou-se com Nelson Mandela. Em 1994, foi a vez de Shimon Peres iniciar um acordo inédito com Yasser Arafat. Em em 2015 os ministros da economia da Alemanha, Shauble, e da Grécia, Tsipras, não chegaram a nenhum acordo mas pelo menos cutucaram-se civilizadamente.
A lista dos políticos que já estiveram em Davos é impressionante e citamos apenas alguns: Felipe Calderón, Álvaro Uribe Vélez, Nicolas Sarkozy, Ban Ki-moon, Angela Merkel, Gordon Brown, David Cameron, Min Zhu, a Rainha Raisa da Jordânia, Dmitry Medvedev, Kofi Annan, Jacob Zuma, Al Gore, Bill Clinton, Tony Blair, Recep Tayyip Erdogan, Henry Kissinger e Raymond Barre. E Dilma, que esteve lá em 2014. (Prometeu combater à inflação, responsabilidade fiscal e abertura a investimentos privados por meio de parcerias público-privadas. Como leu um discurso cuidadosamente preparado, não falou em guardar o vento, colocar o “dentifrício” de volta ao tubo e quejandos.)
O Fórum deste ano decorreu num ambiente sombrio. Por um lado, os indicadores grados aos ricos e poderosos estão maus: queda de 6,7% no índice S&P 500, previsões globais de crescimento do FMI em baixa. A directora do FMI, a famigerada bruxa Christine Lagarde, falou da desgraça no dialecto economês tão apreciado em Davos: “O crescimento vai ser modesto e desigual este ano. Há optimismo moderado, mas os riscos são significativos.”
A generalidade da imprensa europeia que acompanhou de perto os trabalhos da cimeira não encontrou razões para sorrir, e o insuspeito “Financial Times” referiu-se a uma encruzilhada em que “a economia mundial está a equilibrar-se de forma perigosa entre uma recuperação continuada e os riscos de uma terceira vaga da crise financeira”.
No diário “El País” afirma-se que as suspeitas que os investidores estão a acumular a propósito das mensagens desencontradas “e a prova é que pedem juros mais altos nos empréstimos a curto prazo do que num horizonte a dez anos, algo que é conhecido como curva invertida das taxas de juro e constitui um dos indicadores que costumam antecipar uma recessão”.
Ray Dalio, líder da amaldiçoada Bridgewater, admite as fortes possibilidades de uma economia enfraquecida e, e a iminência de uma recessão, “difícil de reverter. A acção dos bancos centrais com as diversas medidas de estímulo monetário não têm permitido que a economia reaja.”
Keneth Rogoff, professor em Harvard, admite que o mundo parece estar sob o efeito “da terceira via do super-ciclo da dívida. Todos os que insistem que desta vez é diferente no caso chinês têm a cabeça enfiada na areia.”
Larry Fink, líder da impiedosa BlackRock, a maior gestora mundial de “activos”, também reclamou da vida: “A descida no crude levará muitas empresas a suspender pagamentos e isso irá gerar muita instabilidade.”
Os chineses que estiveram em Davos referiram-se a uma espécie de ajustamento a níveis mais baixos de crescimento e Shi Wenchao, líder da Unionpay,  afirmou que “o sector financeiro está mais desligado do que nunca da economia real.”
Com efeito, dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF) deixou a previsão de outro saldo negativo nas saídas de capitais chineses negativo, no valor de 448 mil milhões.
Tim Adams, líder do IIF, reconhece que “as perspectivas de países assim ficam ensombradas. As moedas são desvalorizadas e isso deixará em extremas dificuldades economias com elevado nível de dívida em dólares como são os casos de Brasil, África do Sul ou Turquia”.
Richard Baldwin, docente de economia internacional no Graduate Institute, em Genève, apontou: “Há vários indicadores de vulnerabilidade que, no plano individual, sugerem problemas e atrasos, não propriamente uma crise com letra maiúscula. Porém, essas vulnerabilidades podem fundir-se numa verdadeira crise.”
Michael Spence, prémio Nobel e professor na Stern School of Business de Nova Iorque, admitiu que “a situação global é frágil e está a deteriorar-se sem que se vejam contra-medidas a caminho”.
Resumindo: quem sabe, pode, e detém o poder, prevê o pior. Nós, todos os outros sete mil e quatrocentos biliões de habitantes do planeta, só nos resta apertar o cinto.
E volta a questão colocada no inicio: afinal, para que serve Davos? Pois, a resposta é simples: serve para saber quem devemos odiar.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

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