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Amanhã

Grecianny Carvalho Cordeiro*
“Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa.” Esse belo trecho está na brilhante peça Macbeth, de William Shakespeare.
Macbeth é um general leal que, ao voltar da guerra, recebe uma aparição de três bruxas, as quais profetizam que se tornará o general de Cawdor e, depois, rei da Escócia. Para o amigo Banquo, que o acompanha, as bruxas preveêm que o mesmo não será rei mas será pai de uma linhagem de reis.
Macbeth recebe o rei Duncan em seu castelo, ocasião em que seria promovido a general de Cawdor e, com a colaboração da esposa, elaboram uma trama para usurpar o trono. Morto o rei, Macbeth coloca a culpa do crime nos criados deste e então assume o trono escocês.
Macbeth não tem paz. O fantasma da culpa o persegue, bem como o medo de que o amigo Banquo o traia e a previsão das bruxas se concretize. Assim, Macbeth resolve matar Banquo e todos aqueles que ameaçam sua segurança. Ele se torna um tirano sanguinário. Lady Macbeth, atormentada pela culpa, se suicida. Macbeth começa a ter visões e a ouvir vozes. Macbeth viria a morrer em batalha.
A lealdade de Macbeth foi consumida pela ambição desmedida, pela ânsia perniciosa de chegar ao poder a qualquer preço. E para tanto, Macbeth não poupou esforços para alcançar seu objetivo, destruiu amigos leais, incriminou pessoas inocentes, criou uma farsa monstruosa para justificar a assunção ao trono escocês. 
O drama Shakespeariano sobrevive ao tempo e se mostra mais atual do que nunca, notadamente ao analisarmos nossa realidade, o conturbado momento histórico brasileiro, em que a desmedida luta pelo poder rompe todos os limites éticos e morais, toda honra e toda glória, num jogo sujo onde vale tudo.
E todos os ontens serviram apenas para iluminar o caminho dos tolos, que os levará ao inevitável fim. Nesse ínterim, muita fúria e muito barulho parece que não terá significado algum. Somente o amanhã dirá.
Qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência.
De nada valeram os nossos ontens? O amanhã dirá.
*Escritora, Promotora de Justiça e presidente da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza

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