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BANDALHISMO

25 de março de 2016

Aldir: canção inspirada em soneto de Augusto dos Anjos.
Aldir: canção inspirada em soneto de Augusto dos Anjos.
Por Carlos Ávila
Aldir Blanc é um artesão da palavra cantada. Trata-se, seguramente, de um dos melhores letristas brasileiros; figura ao lado de outros craques como, por ex., Capinam e Torquato Neto. Entre suas letras encontra-se uma curiosa, divertida e algo punk, paródia de um soneto do simbolista Augusto dos Anjos (1884/1914) – autor do famoso “Eu”, livro muito lido e estudado.
Blanc segue de perto a forma original – dois quartetos e dois tercetos – com métrica (versos decassílabos) e rima. Na letra da canção (música de João Bosco) catedrais se tornam botequins; templos viram antros. E por aí vai Blanc tirando um sarro do conhecido soneto do poeta paraibano, num tom bem carioca e malandro, sua marca registrada: observação arguta e irônica do cotidiano; grande agilidade verbal, utilizando o registro da fala popular – incluindo gírias e outros elementos da linguagem das ruas. Leiam abaixo o soneto de Augusto e a letra-soneto: lance intertextual, blague de Blanc; divirtam-se.
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Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos…

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Bandalhismo
Meu coração tem botequins imundos,
Antros de ronda, vinte e um, porrinha,
Onde trêmulas mãos de vagabundos
Batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,
Um choro soluçante que não para,
Piada suja, bofetão na cara,
E essa vontade de soltar um barro…

Como os pobres otários da Central,
Já vomitei sem lenço e Sonrisal
O PF de rabada com agrião…

Mais amarelo que arroz de forno,
Voltei pro lar, e em plena dor-de-corno
Quebrei o vídeo da televisão.
Ouça a canção com João Bosco e Paulinho da Viola:

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