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O DESAFIO DE ESCREVER


 

Por Dom Murilo S.R. Krieger*

Há quase cinco anos escrevo semanalmente para o jornal A Tarde. Mas, o que é escrever? Escrever é expor-se; é apresentar as próprias ideias e valores. No meu caso é, também, apresentar o pensamento da Igreja. Com essa intenção é que trago frequentemente para este espaço a síntese de um documento papal ou as conclusões de uma assembleia da CNBB; a declaração de uma reunião dos bispos da Bahia e Sergipe ou uma Nota da própria Arquidiocese.
Quando se trata de temas doutrinais, sou fiel ao pensamento da Igreja a que sirvo; em temas discutíveis, apresento os meus pontos de vista, sempre lembrado de que "um ponto de vista é a vista de um ponto". Compreendo, pois, que nem todos os meus leitores concordem sempre com o que eu escrevo.
Desde meu primeiro artigo ("Posso entrar?"), tive consciência de que me dirigia a um universo aberto, de acordo, por sinal, com o objetivo desta página, que é um espaço democrático, pois acolhe ideias diferentes e, até mesmo, contrárias. Ela espelha, assim, a diversidade de seus leitores. Caberá a eles tirar as devidas conclusões a respeito do que leem. Nesse trabalho de síntese pessoal saberão, sem dúvida, seguir a oportuna orientação dada pelo apóstolo Paulo aos habitantes da cidade de Tessalônica: "Examinai tudo e ficai com o que é bom" (1Tes 5,21).
Ao escrever, tenho a preocupação de ajudar meus irmãos na fé a responder à proposta feita por outro apóstolo, Pedro, o primeiro Papa: "Estai sempre prontos para vos defender contra quem pedir razões de vossa esperança" (1Pe 3,15). Essa tentativa de explicitar valores, propostas e apelos da religião católica será útil até para os que não compartilham de minha visão religiosa. Dando-lhes a conhecer o que a Igreja pensa, lanço pontes de diálogo. Sem nos conhecermos uns aos outros, como descobriremos as riquezas que temos em comum? Talvez até nos surpreendamos ao perceber que, por vezes – ou, até, muitas vezes! –,tais riquezas em comum são em muito maior número do que os pontos em que divergimos.
É triste constatarmos a que ponto chegamos neste começo do terceiro milênio. Há os que querem destruir os outros (e destroem mesmo!) porque são de uma religião diferente da sua; torcidas rivais deixam o espetáculo futebolístico de lado para se agredirem com paus, pedras e tiros; mulheres sofrem violência porque não concordam com algumas exigências de seus maridos; tira-se a vida de um jovem porque começou a namorar a ex de um outro... A lista poderia ir longe, e teria sempre a mesma causa: não se respeita o outro.
A lição que Jesus nos deu é insuperável: ele se fez um de nós e apresentou-nos o que passou a ser conhecido com a palavra "evangelho". Essa palavra grega, que significa "boa nova", já era usada antes de Cristo. Em preparação à chegada de um rei a uma cidade, arautos o precediam anunciando a boa notícia: o rei vai chegar; preparem-se para recebê-lo bem! A boa notícia de Jesus é que Deus é nosso Pai, e um Pai que nos ama infinitamente; fomos criados para amá-lo e, justamente por isso, a amar o nosso próximo, que também é Seu filho; o perdão é uma dimensão essencial na vida dos que se dizem cristãos; muito próximo do perdão está o respeito ao outro. Pode-se não concordar com ele; pode-se até apresentar-lhe as razões por que não se concorda; não se pode, porém, feri-lo em sua dignidade nem querer destruí-lo porque pensa de maneira diferente da nossa.
Escrever é expor-se; é dar as razões da própria esperança; é lançar pontes; é tentar construir comunhão. Escrever pode ser uma resposta ao desejo de ser um irmão universal. Desafio difícil e exigente. Mas não são os grandes ideais que dão sentido a uma vida?...
CNBB, 25-01-2016.
*Dom Murilo S.R. Krieger: Arcebispo de Salvador (BA).

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