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PARIS É PARA TODOS

O turista para Theroux é antes de tudo um mala que arrasta outras malas.
Por Ricardo Soares*
Sempre acho curioso nas redes sociais algumas pessoas que escrevem sobre a capital da França como se proprietário dela fossem. Gente que por ter vivido, passado a juventude ou estudado por aqui considera-se mais "conhecedor"de Paris que os outros. Como se as dicas deles valessem mais, como se a apreciação de suas papilas gustativas fossem mais "gourmets" que a de outros. Geralmente as dicas que dão são caras, manjadas, enderaçadas aos tais turistas chatos que fazem turismo de consumo. Ou dicas com a presunção de serem "discoladas", capice? Preguiça maior do que essa só sinto daqueles que vêm a Paris ver e viver em torno dos desfiles de alta costura. Para esses dá-lhe Paul Theroux na veia, autor que nunca se portou como turista mas como arguto observador da natureza humana. Mas ele não escreve para gente que vê o mundo com a retina de João Dória. Esqueçamos esses "não leitores" e deixemos que sejam felizes também. Paris também é para eles. Paris é para todos.
Paul Theroux talvez seja o mais criativo, desenvolto, desencanado e melhor escritor de viagens que já li e tem um desprezo solene por turistas em geral. Em suas viagens mundo afora não cai em armadilhas para turistas e mantém distância oceânica deles e suas generalizações, banalizações da cultura local e desejos consumistas imediatos. O turista para Theroux é antes de tudo um mala que arrasta outras malas. Mas Paris também é para eles. 
Não vou aproveitar o mote de Theroux para dizer que se ele acha que turistas são chatos é porque nunca viu ou acompanhou hordas de turistas brasileiros em particular com sua espetacularização do que seja o conceito de "ficar a vontade",confundindo sempre informalidade com deseducação. Nem vou dedicar linhas ao tema para não dar impressão de presunção. Só digo que em Paris ou em qualquer lugar é sempre um alívio estar longe dos turistas brasileiros deseducados. Salvo as exceções de praxe, é lógico. Gente que não vem aqui para mergulhar no delírio das compras das galerias Lafayette e tirar uns 2339 selfies em qualquer ponto turístico sem sequer saberem onde estão. O mundo virou uma pastelaria de imagens onde os retratistas sequer tem noção do que estão retratando. Muitos deles brasileiros, lógico. Mas Paris também foi feita para eles.
Paris é uma festa eterna, perene, imutável. Faça o que fizer qualquer mujahedin aqui as esperanças se renovam e até as melancolias se traduzem em arte. Sou suspeito para falar. Estou aqui não de férias mas me dando uma, duas , três tréguas . Uma por mês . Tentando me curar de emoções fortes sofridas em recentes tempos profissionais onde abracei causas e fui abraçado pelos ursos traiçoeiros da burocracia e da burrice. Jamais convivi com tanta gente talentosa e guerreira  que vivia em paralelo  com os medíocres tentando  superar as cascas de banana jogada por cretinos do corporativismo. Enfim um bruto paradoxo que agora parece um esmaecido fantasma do passado. Paris apaga tudo.
Antes que digam que o deslumbramento com a cidade é coisa de "esquerda caviar" eu vos digo: é coisa de esquerda, direita e centro. Caviar ou não. Porque Paris é tão caprichosa que tem muitos donos. São muitas Paris em uma só com o perdão do óbvio gritante. E todas cabem na bagagem dos nossos sonhos. Paris é para todos.
*Ricardo Soares é escritor, autor de sete livros, jornalista e diretor de tv com 37 anos de "janela". Está em Paris pela quinta vez e agora há três meses.

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