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UMBERTO ECO, FÉ E RAZÃO

Por Dom Anuar Battisti*
Umberto Eco, intelectual, semiólogo, escritor, que morreu no dia 19 de fevereiro, aos 84 anos, em sua marcante vida sempre se interessou por temas religiosos. Eco fica na história com um dos maiores intelectuais que já tivemos e suas obras sempre provocaram reações diversas também no nosso meio cristão. Hoje, trago trechos de uma entrevista feita com o Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, Cardeal Gianfranco Ravasi, concedida à rádio Vaticano.
Rádio Vaticano (RV): E como era a relação de Eco com temas religiosos, com o sagrado? No fundo, ela obteve um grande sucesso literário precisamente com esta temática...
Cardeal Ravasi: Nunca se deve esquecer que Umberto Eco teve uma matriz profundamente católica, tendo sido até mesmo responsável pelos jovens da Ação Católica em Alexandria, quando vivia lá... Mais tarde, em um determinado momento, houve uma espécie de ruptura. Mas ele continuou a ter um interesse muito forte, criativo também, naquele âmbito que ele havia deixado um pouco para trás. E, sobretudo, eu diria, são dois os campos nos quais o seu interesse se manifestava e que eu pude ininterruptamente verificar com ele, dentro dos espaços da Biblioteca Ambrosiana: uma biblioteca histórica como aquela não podia ser, senão que uma espécie de jardim – para ele – das maravilhas. Por um lado o amor pela Bíblia, pelos Textos Sagrados: famosa aquela sua declaração precisamente por apoiar o retorno da Bíblia ao ensino escolar, prescindindo das questões confessionais: “Por que os nossos jovens devem saber tudo sobre os heróis de Homero e não devem saber de Moisés? Por que a Divina Comédia, e não o Cântico dos Cânticos ou a Bíblia, estão no programa?”. O outro lado, pelo contrário, é o da cultura medieval: em particular, nós sabemos, a sua tese de láurea sobre a estética de Tomás de Aquino.
RV: Portanto, poderíamos falar de um ateu que, porém, cultivava o diálogo com os crentes, como demonstrou a sua relação, o seu diálogo com o Cardeal Martini...
Cardeal Ravasi: Ele sempre estava interessado também em ver como uma pessoa que trabalhava no mundo da cultura pudesse estabelecer um equilíbrio entre Atenas, por um lado, e por outro Moisés ou Cristo. A fé e a razão. E assim as interrogações eram frequentes, sobretudo depois quando se tratava de questões do tipo ético, do tipo moral.
RV: Alguns interpretam “O nome da rosa” também como uma advertência para desconfiar dos fanatismos religiosos, dos dogmatismos. Neste sentido, seria um ensinamento que Eco deixou também aos crentes?
Cardeal Ravasi: Eu acredito que sim, que esta tenha sido uma das chaves de leitura significativa deste romance que, por motivos diversos, era de certa forma uma primeira tentativa dele de entrar na narrativa. Eu penso que, por exemplo, mais elaborado seja “O pêndulo de Foucault”. Porém, sem sombra de dúvida, que esta dimensão – e devo dizer que ele mesmo me dizia isto – da religião que ultrapassa as barreiras progressivamente, até tornar-se não mais busca, um testemunho, mas, sobretudo, pesadelo, um pesadelo de morte até mesmo, seja um dos tantos fios condutores deste romance polimorfo. Foi ele que me fez recordar uma frase, que eu cito frequentemente, do filósofo inglês David Hume: “Os erros da filosofia são sempre ridículos, os erros da religião são sempre perigosos”.
Neste domingo, espero que essa reflexão sobre o legado deste grande pensador contribua com o avanço da nossa intelectualidade. Afinal, fé e razão não são coisas separadas, mas sim, podem e devem sempre nos elevar para as coisas superiores, que para nós cristãos estão sempre fundamentadas no Divino, no Sagrado. Que Deus abençoe sua semana.
CNBB 29-02-2016.
*Dom Anuar Battisti: Arcebispo de Maringá (PR).

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