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CRÔNICA: JORNALISMO OU LITERATURA? POESIA OU CONTO?

José Olímpio de Sousa Araújo*


De há muito, a palavra crônica aparece nos jornais e revistas e, até mesmo, no rádio e televisão: crônica esportiva, crônica policial, entre tantas, além de comentários e apreciações sobre os mais diversos assuntos que recheiam as páginas diárias e os periódicos semanais ou especializados, via de regra, com o rótulo de crônica.

Mas afinal, o que é crônica? Trata-se de um texto jornalístico ou literário? É uma composição poética, ou ficção?
Pretendemos elucidar estas questões, a partir das didáticas orientações de Massaud Moisés (A Criação Literária – Prosa II, cap. III.  Ed. Cultrix).
O termo crônica provém do grego “chronikós”, relativo a tempo, designando uma relação de acontecimentos ordenados cronologicamente.  Consistia em narrativas sobre reis, nobres, seus feitos ou governos, ou algum acontecimento de grande repercussão. Situava-se entre os anais e a História.
A partir do século XIX, na França, o termo passou a ser empregado como registro dos fatos do dia a dia, com sentido estritamente literário. A crônica foi, a partir de então, elaborada para o jornal: os “flueilletons”, publicados no Jornal de Debáts, por Julien Louis Geoffrey, em Paris (1799). A moda foi imitada em outros países, inclusive no Brasil, onde o termo francês foi traduzido por “folhetins” (1836). E a nova manifestação literária recebeu a adesão de figuras importantes, como Machado de Assis e José de Alencar.
Foi no século XX (década de 40), a partir de João do Rio, que a crônica literária ganha maior participação do autor, sua emoção, vivência e cosmovisão, aprofundamento do “eu”, além de uma intensa variedade temática, temperada de humor e ironia. Rubem Braga destaca-se como o maior representante nacional, o cronista-mor. Outros grandes escritores dedicam-se à crônica assim renovada, uma criação autenticamente brasileira, entre os quais: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queirós, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Sérgio Porto (Stanilaw Ponte Preta).
Reveste-se, portanto, a crônica de uma dupla ambiguidade. A primeira, se é jornalismo ou literatura, muito compreensível para uma obra que tem o jornal ou a revista como habitat natural.  Assim, quando o autor se atém ao fato, relatando os acontecimentos, com o objetivo precípuo de informar, linguagem referencial, terceira pessoa, temos tão somente a notícia jornalística – o artigo ou a reportagem.  Para produzir obra literária, o cronista busca o acontecimento, o fato real, como pretexto para projetar, de modo pessoal e vivencial (inclusive com o uso da primeira pessoa), suas fantasias e devaneios; aqui, o cotidiano (um flagrante real colhido pelo autor) é revisto, em linguagem metafórica, sob as cores vivas da emoção.
Já o agradável casamento da novidade, do pitoresco dos acontecimentos dia a dia ao mundo íntimo do autor, sua sensibilidade e vivências, gerando narrativas de temas trágicos, cômicos, ou até aparentemente banais, ocasiona uma segunda ambiguidade, desta feita, no terreno literário: a oscilação da crônica entre o poema e o conto, ou seja, pode haver ênfase no lirismo, o cotidiano servindo apenas de base para a projeção do “eu” (isto é poesia); ou pode ocorrer que o fato gerador do texto adquira maior importância, levando o autor a incursionar no campo ficcional, produzindo uma história. No primeiro caso, temos a crônica-poema, ou a verdadeira crônica literária, já que esta aceita de bom grado o sentimento poético, afinal de contas, sempre pode aflorar poesia, tanto no pitoresco do acontecimento, como na sensibilidade de quem escreve, e de quem lê... No segundo caso, o texto tende para o conto; no entanto, se esta tendência se acentua, desaparece a crônica, pois a mesma passa assumir a feição de conto. Pode-se, contudo, perceber uma diferenciação clara da crônica (relato de fatos reais ou neles embasados) para a ficção, de enredo e personagens criados pela imaginação do autor (conto, romance, novela): na ficção, o autor finge, enquanto que o cronista sente, vivencia.
Em resumo, podemos, então, observar as seguintes características para a crônica, embora que, como vimos, algumas também ocorram em outras espécies literárias:
é transitória (tem, geralmente, vida curta); é breve (tal como o conto);
é carregada de subjetividade, devido à afinidade com a poesia;
estilo entre coloquial e literário (traço da literatura pós-moderna);
ausência do transcendente, aprofundamento filosófico (as análises e reflexões que aparecem são superficiais, próprias das conversações descontraídas);
caráter ambíguo: é monólogo enquanto autorreflexão, e, ao mesmo tempo, diálogo no sentido em que o autor se projeta na busca do contacto com o leitor;
flagrante de um episódio real, com personagens reais (e não fictícios), nos quais, geralmente, se inclui o autor.
Enfim. usando as palavras de Jorge Miguel (Curso de Literatura, Ed. Harbra), que faz coro com os demais teóricos e críticos literários, “a crônica é um meio caminho entre o conto e a notícia jornalística. Traz, em seu conteúdo, o sabor da notícia diária e a imortalidade das boas histórias”.  Ou, simplesmente, fechando com os termos do mestre Massaud Moisés: o cronista é o poeta ou o ficcionista do cotidiano.

*Coautor dos livros “Desenvolvendo a habilidade de escrever” e “Ortografia Atualizada” / Secretário da Academia Metropolitana de Fortaleza. 

Comentários

  1. Parabéns estimado professor Olímpio!

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    Respostas
    1. Que bom estar participando de um fórum Rico e versátil. Estarei sempre dando a minha contribuição...

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