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ECONOMIA A ECOLOGIA A PARTIR DA REALIDADE SOCIAL

Marcus Eduardo de Oliveira 07/04/2016
A cada dia a população mundial aumenta em 220 mil pessoas, já descontadas as mortes.

Nenhuma abordagem sobre a situação ecológica atual, notadamente relacionada à perda de biodiversidade e ao esgotamento dos serviços ecossistêmicos, pode ser levada a sério se não incluir, nesse contexto analítico, as realidades sociais e econômicas do mundo, especialmente em torno dos níveis de desigualdades de renda e riqueza e as possibilidades determinantes do consumo global, que separa de um lado os 20% mais ricos – consumindo mais de 80% de toda a produção econômica – e, de outro, os 80% mais remediados – consumindo o que sobra, pouco menos de 20% da produção mundial.

De tal forma, isso implica lançarmos um atento olhar sobre o modo como estamos construindo – e agindo sobre - o futuro do planeta. Por isso é tão urgente entender a ecologia a partir das realidades sociais e econômicas do mundo, o que requer, de modo análogo, entender a dinâmica da cultura global do consumo exacerbado, reconhecidamente fator de pressão sobre a natureza.

Dito de outra forma, essa questão passa pelo questionamento do modo de viver da sociedade consumista, viciada na prática do “compre mais”; por isso adepta da errônea “receita de felicidade” via aquisição e acúmulo materiais.

A explosão do consumo global tem sido inequivocamente uma das principais características de desequilíbrio ambiental das últimas cinco décadas. As despesas com o consumo global têm crescido em uma faixa de 3% ao ano desde 1970.  Especialmente no período de 1973 a 1998, essas despesas dobraram em termos reais, alcançando US$ 24 trilhões.

No entanto, esse crescimento é distribuído de maneira desigual. De acordo com o estudo intitulado “Sustainable Production & Consumption: Making the Conection”, produzido pelo United Nations Environment Programme (UNEP), o quintil mais rico da população mundial responde por 86% do total de despesas com consumo privado. Em contraste, o quintil mais pobre responde por 1,3%.

Concernente a isso, foi estimado que uma pessoa comum na América do Norte – especialmente nos Estados Unidos, com seu famigerado estilo “american way of life” –, consome quase 20 vezes mais que uma pessoa na Índia ou na China, e de 60 a 70 vezes mais que uma pessoa em Bangladesh, por exemplo.

Em alusão a esse padrão de comportamento, dados emitidos pelo World Wide Found for Nature (WWF), Organização Não Governamental internacional que atua nas áreas da conservação, investigação e recuperação ambiental, apontam que, embora os países do hemisfério Norte possuam apenas um quinto da população do planeta, eles detêm quatro quintos dos rendimentos mundiais e consomem 70% da energia, 75% dos metais e 85% da produção de madeira no mundo.

O levantamento mais recente acerca da concentração de renda e riqueza, divulgado em janeiro de 2016, são pra lá de estarrecedores: o 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas atualmente do que todo o resto do mundo junto.

Dessa forma, poderes e privilégios estão sendo usados para distorcer o sistema econômico, aumentando a distância entre os mais ricos e o resto da população. Produzidos pela Oxfam, ONG britânica, esses dados mostram que, em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas – ou seja, a metade mais afetada pela pobreza da humanidade.

Esses números representam uma queda em relação aos 388 indivíduos que se enquadravam nessa categoria há bem pouco tempo, em 2010. A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo, ainda de acordo com a Oxfam, aumentou em 44% nos cinco anos decorridos desde 2010 – o que representa um aumento de mais de meio trilhão de dólares (US$ 542 bilhões) nessa riqueza, que saltou para US$ 1,76 trilhão.

Enquanto cresce exponencialmente a renda e a riqueza de um lado, permitindo aos mais afortunados expandir, a bel-prazer, o consumo suntuoso, aumentando assim a pressão sobre a natureza, do outro, a pobreza continua gritante e sufocante.

Não por acaso, “um quarto da população dos países em desenvolvimento ainda vive com menos de US$ 1,25 por dia. Um bilhão de pessoas ao redor do mundo carece de água potável; 1,6 bilhão não tem eletricidade em suas casas e pouco mais de 3 bilhões desconhecem o que significa ter saneamento adequado.

Vinte e cinco por cento de todas as crianças residentes em países em desenvolvimento sofre de desnutrição, constata o Banco Mundial (BM) no Relatório de Desenvolvimento Mundial de 2010. De acordo com esse mencionado Relatório, de 75% a 80% dos custos de prejuízos causados pela mudança climática mundial recaem especificamente sobre países em desenvolvimento.

Face a isso, um aquecimento de 2 °C poderia resultar em reduções permanentes do PIB de 4% a 5% para a África e o Sudeste Asiático, por exemplo.

Voltando a mencionar o modo consumista da humanidade, é oportuno reforçar que consumo em larga escala é claramente sinônimo de degradação dos ecossistemas naturais; mais produção de bens é resultado evidente de mais poluição e lixo, e, logo, de menos ambiente preservado, o que compromete sobremaneira a qualidade de vida de todos.

Quanto a isso, basta atentar-se ao que segue:

–         A cada 9 ou 10 segundos, o equivalente a um campo de futebol desaparece da Amazônia;

–         A cada minuto a Terra perde 21 hectares de florestas, equivalente a 42 campos de futebol;

–         A cada minuto 50 toneladas de solo fértil são levados pelo vento;

–         A cada minuto 10 mil toneladas de dióxido de carbono são lançadas na atmosfera;

–         A cada hora 685 hectares de terra produtiva, equivalente a 1.370 campos de futebol se transformam em deserto;

–         A cada dia 250 mil toneladas de ácido sulfúrico (chuva ácida) caem no Hemisfério Norte, onde se concentram os países ricos;

–         A cada dia a população mundial aumenta em 220 mil pessoas (já descontadas as mortes). A cada segundo, há mais duas pessoas vivas na Terra;

–         Desde 1960, o crescimento populacional e o desmatamento reduziram a quantidade de hectares de florestas per capita pela metade, aumentando as pressões sobre os remanescentes.

Contra fatos, não há argumentos: a destruição da natureza, per si, implica a própria destruição do sistema econômico. As palavras a seguir, proferidas pelo biólogo norte-americano Barry Commoner (1917 – 2012), ilustram bem essa situação: “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”.

Por tudo isso é consenso afirmar que a expansão/aceleração do ritmo econômico não combina com a preservação/conservação ambiental. Há limites (ecológicos) para crescer (economicamente).

Enquanto existirem limites ecológicos - e não há o menor indício que isso venha a deixar de existir - será incompatível se pensar em grandes e expansivos mercados de consumo de massa.

Numa situação de finitude de recursos da natureza, expandir o consumo implica, automaticamente, em acentuada agressão ao meio ambiente. Por oportuno, reitera-se que todo e qualquer crescimento de bens e serviços fora dos padrões dados pela imposição ambiental, vinculado, pois, ao atendimento do chamado consumo conspícuo, não é e nunca será factível.

Ter noção disso é, ademais, outra boa razão para afirmar-se que o entendimento da realidade ecológica passa, antes, por compreender a atual realidade socioeconômica do mundo, afinal, tudo está interligado, nada está separado.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental prof.marcuseduardo@bol.com.br
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