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PARA QUE TEOLOGIA HOJE?

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Olhar sobre o prisma teológico nos faz perceber a desgraça que atinge diversos povos.
A tarefa da teologia cristã sempre foi conciliar fé e razão no momento histórico em que se vivia.
A tarefa da teologia cristã sempre foi conciliar fé e razão no momento histórico em que se vivia.

Por Fabrício Veliq*
Talvez a primeira coisa que se escuta ao falarmos que escrevemos sobre teologia seja a pergunta: “mas alguém lê sobre isso?”. Embora pareça extremamente natural para diversos grupos com os quais convivemos atualmente, essa pergunta era impensável durante toda a época de cristandade pela qual passamos ao longo de 17 séculos na história do Ocidente.

Porém, já faz um bom tempo que os tempos são outros. Após todo o processo de racionalização que se inicia com Descartes, que se exacerba em Kant e que tem sua reviravolta com a lógica de Gödel, pensar teologia não é mais a coisa que todo mundo faz desde pequeno. Muito pelo contrário, desde meados do século XVIII, até então, tem-se crescido o número de pessoas que veem a religião, e consequentemente toda e qualquer fala sobre teologia (mesmo que não seja a mesma coisa), como algo alienador, ilusório, fantasioso e como fuga da realidade.

Diante dessa nova situação, precisamos pensar tanto no “para que” quanto no “como fazer” da teologia. Não podemos ignorar os grandes avanços trazidos pela teologia à sociedade. Pensadores como Agostinho, Tomás de Aquino, Martinho Lutero, Jacob Spener, dentre tantos outros, contribuíram com teses e visões de mundo que alteraram completamente a forma de se lidar com a realidade e, em muitos casos, melhorar a forma de vida da sociedade. Descartar isso como algo sem valor seria não ter uma consciência histórica muito apurada.

Desde seu nascimento, a tarefa da teologia cristã sempre foi conciliar fé e razão no momento histórico em que se vivia. Se relermos os clássicos da teologia dentro da situação histórica em que foram escritos, veremos esse esforço de conciliação em cada autor, o que, a nosso ver, revela algo que está na essência da teologia, ou seja, ela é um prisma pelo qual podemos ver a realidade.

A sociedade moderna e pós-moderna se acostumou a ver o mundo pelo prisma racional. Porém, em um mundo em que pessoas ainda morrem devido à fome, sede, doenças decorrentes do saneamento básico, desastres naturais causados pela intervenção do homem sobre a natureza, o aumento de uma dinâmica de grande desigualdade mundial na distribuição de renda, o discurso racional, tecnológico e científico encontra um limite o qual não consegue ultrapassar que é o limite do próprio humano em suas contradições.

Nesse ponto, o “para que” da teologia se mostra. Falar sobre teologia é falar sobre o humano em suas contradições, e o relacionamento de Deus com esse ser humano para a transformação do mundo em que vivemos. Ao olhar o ser humano e o mundo natural sobre o prisma teológico, esse olhar nos faz perceber a desgraça que atinge diversos povos no planeta, as terríveis condições em que diversos seres humanos trabalham, a desigualdade social, a deterioração do planeta pelas grandes corporações e nos faz lutar em prol da igualdade, pois vislumbramos que, sob esse prisma, esse não é o mundo e as relações humanas queridas por Deus.

Dessa forma, o “para que” da teologia se vincula com o “como fazer” da teologia. A forma de fazer teologia não pode ser desvinculada do local e da realidade onde essa teologia é feita. Assim, fazer teologia hoje implica em “engajamento com o mundo”, usando a expressão de Merleu-Ponty, ou, se quisermos usar o termo teológico, implica em uma “encarnação no mundo”, de tal maneira que possamos, através disso, mostrar que há um plano diferente para a vivência humana e para o planeta que é o plano do Reino de Deus.


*Fabrício Veliq é formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) com a dissertação “A relação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé no pensamento de ‘Joseph Ratzinger’” e doutorando em teologia na FAJE com a tese “A pneumatologia hermenêutica de Jürgen Moltmann como aporte para o diálogo interreligioso”. Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí. Escreve às quartas-feiras.

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