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UM CORPO TERRENO


Por Gilmar P. da Silva SJ
Quando a gente cresce é comum que fé também mude. Quanto a minha, não sabia que poderia ser tanto. Não falo da fé como a capacidade de crer, mas no que se crê e por onde se fia a vida. Atualmente, desconfio de muita coisa e quem me ajudou nisso não foi tanto a filosofia quanto a realidade. Esta, por ser finita e limitada, mostra como são falhas as pretensões humanas e que ela própria nem sempre coaduna com o que se sonha.
Esse descompasso às vezes gera certa melancolia. Contudo, quando se compreende que o sonho é linha do horizonte para o qual se caminha e nunca se chega, não se deixa, por isso, de sonhar. Ao contrário, o sonho passa a ser simples baliza para referenciar projetos que se concretizarão de modo mais simples. Essa mudança na relação com a expectativa e o desejo faz – ao menos o fez comigo – com que o pensamento mágico seja, aos poucos, abandonado em favor do mistério.
Não é que se deixa de crer no milagre da vida, mas que não se busca mais milagres. E aquele princípio teológico, inclusive, passa a fazer sentido: “A graça pressupõe a natureza”. Conseguir um trabalho ou modelar o corpo para o condicionamento físico que se quer, por exemplo, não acontece por um simples passe de mágica ou mesmo por uma oração que vai fazer um empregador bater à porta ou o corpo mudar da noite para o dia. Aliás, a oração abriria a pessoa para o discernimento correto da ação que deve tomar, em consonância com aquilo que precisa fazer e que mais vai realiza-la – e a isso chamamos vontade de Deus. Desse modo, aquilo que alcança continua sendo graça divina, mas também trabalho humano. Por esse discernimento justo, alcança-se não o corpo sonhado, mas aquele mais adequado à própria estrutura física, biótipo, saúde, etc. Também o trabalho poderá não ser o que se tem o maior salário ou fama, mas o que mais trás realização e sentido.

Das coisas que mudaram em minha fé, uma das mais fortes foi o desejo de não mais ir para o céu. Afinal, para que alguém quereria ir para lá se, segundo o Gênesis, até mesmo o Criador gosta de passear por seu jardim ao sopro do dia? Deus também gosta da terra.
Além do mais, por acaso não foi Jesus quem proclamou como bem-aventurança que os mansos herdarão a terra? Porque eu iria querer o céu se terra é promessa e o próprio Deus se deleita com ela, o mesmo que a criou e viu que era boa? Descobri que o céu é tudo que está acima do chão. Não é o que está a 10 ou 20 metros da minha cabeça, porque para uma formiga, o céu poderia ser bem menos distante. Se fosse assim, o céu variaria segunda a percepção. Decidi que o céu é tudo o que está acima do chão, ou seja, onde vivemos. Isso implica que Jesus não pregou um reino para além da terra, mas um reinado, uma dimensão de vida que ultrapassa os limites de nossa compreensão como o céu ultrapassa a terra.

Quando essas mudanças aconteceram, descobri que tinha corpo. Descobri também a alegria de viver com o que se tem. Algumas forma de entender a transcendência não passam de negação do real. Contentei-me com a finitude, ainda que hora ou outra brigue com ela. Quando parei de procurar Deus nas alturas, encontrei-o caminhando comigo no rosto de irmãos, amigos e mesmo estranhos. Hoje olho para o meu corpo e não consigo crer que o Deus me criaria à sua imagem e semelhança para depois querer que eu fosse outra coisa que não humano. Talvez esta tenha sido a razão da conversão de Paulo, apesar dos exegetas dizerem que não foi assim, mas creio que o mesmo, de fato, caiu do cavalo. Atesto contra os teólogos que Paulo caiu do cavalo e nessa hora descobriu que tinha corpo. Foi com o rosto no chão que ele se descobriu pó e se reconciliou com a terra.
 
Como em 29 de Abril se comemora o dia internacional da dança, o Sesc Palladium coloca o corpo em evidência no Mix Dança. A programação está intensa, com algumas das entradas gratuitas, com retirada de ingresso 30 minutos antes da sessão. Outras, pede-se 1kg de alimento não perecível para o programa Mesa Brasil ou o valor de R$10. Os espaço estão sujeitos a lotação. Maiores informações (31) 3270-8100 ou no site www.sescmg.com.br. Confira algumas das atividades:
 
FILMES
29/04 – às 18h: Pinta - sessão comentada
30/4 – às 17h e 18h: A Superfície do abismo
 
APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS
29/4 – às 20h: Kalundu
29/4 – às 21h: Coup de Grâce e Terminal A2 - Cia Sesc de Dança
30/4 – às 21h: La Wagner
 
INSTALAÇÃO
Até 3/5 – das 9h às 21h (de terça a domingo): Três
 
OFICINAS E PALESTRAS
29/4 – das 19h às 21h: Experiências Corporais a partir de PRIMEIRAPESSOADOPLURAL - Integrante do Projeto Pauta em Movimento
29/04 a 30/09: Oficina: Corpo em Diáspora
 
RESIDÊNCIA
Até 30/04: Mergulho 747 - Dança, crítica e jornalismo cultural, com Carlos Santos, Carlos Arão e Regina Amaral
 
*No dia 30/04, às 18h, haverá lançamento do blog Mix Dança Abril Transcendente, no Foyer Rio de Janeiro (rua Rio de Janeiro, 1046, Centro).
Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.

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