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UM POETA BARROQUIZANTE

1 de abril de 2016

Horácio Costa: poeta/tradutor e professor da USP (Letras).
Horácio Costa: poeta/tradutor e professor da USP (Letras).
Por Carlos Ávila
Horácio, você se reconhece como um poeta de “jorros verbais”, talvez na contramão da maior parte dos poetas atuais?
Reconheço-me mais como poeta que aproxima prosa e ensaio ao registro poético em seus textos. Jorros verbais acontecem, cada vez menos frequentes (infelizmente): na verdade, nunca me importaram muito, embora tenham sido fonte de prazer escritural.No Brasil há talvez uma sobrevalorização do poemaminimal, em constante esforço deminimalização verbal, e até mesmo linguística, frente à enxundiosa sintaxe de nossa língua. Posto que soubarroquizante, essa tendência não me é congenial. Se puder usar uma imagem da arquitetura moderna, Mies Van Der Rohe formulou o famoso “less is more”, dando o mote para os minimalistas desde então. Ora, para os maximalistascomo eu, “more is more” e “less is less”. Ponto.
De certa forma, sua poesia leva adiante e expande as dicções do Jorge de Lima de “Invenção de Orfeu” e do primeiro Murilo Mendes (mais verbal – “delirante” e surrealizante); concorda com essa visão? Eles são referenciais para você?
Sim, foram leituras de adolescência e primeira juventude. Principalmente Murilo Mendes, a cuja memória dediquei um livro, The Very Short Stories (1991).Mas as leituras que vieram depois, e o que traduzi – Bishop, Paz e Gorostiza principalmente –, sobrepuseram-se a eles. Não esquecer, ainda, que ensino constantemente poesia de língua portuguesa. Há muitos poetas que, em função do ensino, passo a ler melhor, a viver mais de perto. Fiama Hasse Paes Brandão, por exemplo. Ou Sá de Miranda; Frei Jerônimo Bahia: o arquivo poético da língua portuguesa. Ainda há a questão da plástica. Quanto mais escrevo, mais o universo das artes plásticas e da arquitetura se faz presente em minhaescritura, seja através das interlocuções com certos pintores e/ou obras de arte centrais (Bernini, Caravaggio), seja com as artes/núcleos/nomes da contemporaneidade (Cindy Sherman, Rem Koolhaas).
Você escreveu num poema que “almejar a leitura hoje em dia/passa por pontes pênseis/que se projetam do aqui para/uma outra margem desconhecida”. Qual o lugar (se é que ainda há lugar) da poesia num mundo (cada vez mais) semiótico/caótico?
A poesia é velha e sabe onde e como resistir. Não esqueçamos que soube sobreviver da Suméria até hoje. Não passa, evidentemente, pela busca de notoriedade, celebrização que muita gente professa hoje em dia, inclusive nos lindes da escritura de poesia. Não me preocupo muito pelo futuro da poesia: continuará a ser escrita. Mas sim me preocupo pelo futuro de sua leitura: porque implica memória, porque implica um (ou mais) cânone(s), porque implica estudo, porque a academia não deu e nem dará conta disso tudo, porque é eminentemente conservadora e vivemos em estado de explosão. Aí entra o futuro desconhecido: o “arquivo” nele tão em perigo como o inventário de vozes e tendências contemporâneas. Sem remontar o cânone, sem ductilizá-lo à medida do mundo contemporâneo, não haverá mais leitura no depois, tudo se cartonando até tornar-se irrelevante. Papier mâché que se desmanchará sob águas futuras.
Num outro poema, escrito em Berlim, você afirma que os poetas alemães “sofrem de isolamento similar ao nosso/no contexto internacional: também necessitam de tradução”. Para você (que já morou nos EUA e no México, e ainda tem um trânsito internacional), escrever em português seria quase o mesmo que ficar calado?
Sim, eles sofrem de isolamento similar ao nosso, só que têm instituições que protegem a poesia, a literatura, com muita organização e esprit de corps germânicos, e que nós não temos. Isso, pois, não entrou no poema. Há dinheiro para tanta coisa no país, não? Por exemplo, a refinaria Abreu e Lima, orçada em quatro bilhões de dólares e que depois de mais de trinta ainda funciona apenas parcialmente, não dá uma boa ideia do montante de nossos recursos que o Estado desperdiça? Até hoje, tamanha farra corrupta não fez sobrar nada para estabelecer um instituto de promoção de nossa literatura/cultura no exterior. Por outro lado não penso que a língua portuguesa signifique um escanteio tão grande como você fala, um feedback negativo em resumo. Veja, há muitos tradutores de português pelo mundo,alguns excelentes, dedicados, interessados. Conheci vários e em vários contextos, gente que compensa muitas vezes a falta de uma escolaridade específica em literaturas de língua portuguesa com o seu fervor tradutório e que se beneficiaria, beneficiando-nos, de uminstitutocomo o Goethe, como um Literaturwerkstatt Berlin de nossa lavra. A língua portuguesa é cada vez melhor considerada no exterior. Não nos enganemos. Há muita gente querendo traduzir-nos.
Sua produção inclui também ensaios e traduções (Octavio Paz, Elizabeth Bishop etc.); há algum novo projeto seu nessas áreas? 
Tenho escrito sobre temas do barroco e pretendo no ano que vem fazer uma investigação no México sobre um tema colonial, da Nova Espanha, em conexão com a literatura portuguesa. E tenho feito, pacientemente, uma interpretação, um levantamento de minha própria escritura poética desde o princípio, sob a ótica do homoerotismo. Ninguém o tinha feito ainda, daí eu resolvi fazer. Já cheguei aos anos 1990, nesse sentido. Ainda falta chão para topar com o que ando escrevendo hoje.

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