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ADEUS A BORIS SCHNAIDERMAN

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Boris: erudição, sensibilidade e generosidade.
Boris: erudição, sensibilidade e generosidade.
Por Carlos Ávila

E agora parte também Boris Schnaiderman (alguns meses depois de Gilberto Mendes); e assim o país vai ficando mais pobre, de homens e de ideias – mais vazio. Um dos nossos maiores intelectuais da segunda metade do séc. 20, Boris era tradutor, escritor e ensaísta; de origem ucraniano- judaica, nasceu em 1917 e veio ainda criança para o Brasil (naturalizou-se em 41). Longevo e muito produtivo, estava com 99 anos.

Boris faz parte daquele grupo de intelectuais europeus que vieram dar com os costados no Brasil (em geral, fugindo da 2ª Guerra Mundial e do nazismo): Anatol Rosenfeld, Otto Maria Carpeaux, Paulo Rónai, Koellreutter etc. – deram uma contribuição expressiva à cultura brasileira.

O conhecimento da cultura russa no país ganhou nova dimensão a partir do trabalho de Boris. Antes dele, Dostoievski e Maiakovski nos chegavam de segunda mão, a partir de traduções de traduções – francesas e espanholas – que “amaciavam” a linguagem forte e direta dos originais. Boris foi o primeiro professor do curso de Letras Russas da USP, desde a década de 1960, apesar de não ser formado em Letras (era agrônomo).

Entre os trabalhos mais importantes deixados por Boris encontra-se “A poética de Maiakovski” (um livro obrigatório para qualquer poeta, assim como o “ABC da literatura”, de Pound – ou ainda os ensaios de Eliot, Valéry e Octavio Paz). Além de escrever uma longa e esclarecedora introdução (repleta de informações úteis), Boris reúne e traduz naquele livro textos fundamentais do poeta russo sobre poesia e poética, mas também sobre teatro e cinema (outras duas áreas em que Maiakovski atuou).

No caso específico da poesia, dois outros volumes ainda se destacam: os “Poemas”, de Maiakovski, e a antologia “Poesia russa moderna” (ambos em colaboração com Augusto e Haroldo de Campos). Neste último, o excepcional trio tradutor nos dá a conhecer poetas importantes como Khlébnikov, Ana Akhmátova, Pasternak, Marina Tzvietáieva, Iessiênin etc.

Num pequeno livro da Ed. Noa Noa, de Cleber Teixeira, lançado em 1986 – “Encontro com Boris Schnaiderman” –, o tradutor observa que “estes poetas modernos fazem violência com a tradição cultural. Os poemas de Maiakovski às vezes se considerariam errados quanto à sintaxe. Quer dizer, ele foge deliberadamente da sintaxe escolar. Transgride, mas transgride deliberadamente, se aproxima do coloquial, e o coloquial não respeita tanto as normas da sintaxe. O que houve é que esta poesia russa que surgiu no começo do século foi uma poesia muito forte. Depois daquela fase de grande explosão da prosa russa, veio a explosão da poesia”.

Dessa “explosiva” prosa russa, além de Dostoievski, Boris ainda traduziu Tolstói, Tchekhov e Gorki; introduziu por aqui textos de teóricos como Roman Jakobson e Iuri Tinianov – os chamados formalistas russos, com seus estudos pioneiros sobre linguística e arte poética (ritmo, verso etc.); divulgou também a semiótica russa.

Mas um último aspecto ainda precisa ser ressaltado: Boris teve uma experiência marcante em sua vida – combateu no front italiano, durante a 2ª Guerra Mundial. Sua luta contra o nazi-fascismo resultou no romance “Guerra em surdina” – um belo e tocante livro sobre os brasileiros na guerra (Boris ainda voltaria ao tema em “Caderno italiano”, de caráter mais memorialístico, lançado no ano passado).

Boris foi uma figura rara – embora fosse um erudito, era modesto e generoso. Formou e influenciou muitas gerações; tornou-se um mestre querido para todos aqueles que estudaram ou mantiveram contato com ele. Vai fazer falta; mas sua sólida obra permanece para sempre.

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