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ALAÍDE, CENTENÁRIA TRAVESSIA ABENÇOADA!

Júnior Bofim*
Foto do perfil de Júnior Bonfim
Autoridades que compõem a mesa,

Parentes e Amigos,
Damas e Cavalheiros:
A todos que acorreram a este Clube de nome esplendoroso – Ideal... Ideal é o mais poderoso imã à atração do cérebro humano - meu cordial boa noite!
Este encontro de veias, celebração de consciências, delicada convenção de almas, marca o lançamento de uma obra especial, que comemora a centenária e abençoada travessia de Maria Alaíde Bomfim!
A mim me toca apresentar autor e obra. Como fazê-lo? Bem sabeis que o autor, José Maria, é rebento da obra, Alaíde Bomfim...
Principio fazendo um recuo cronológico para além do século pretérito e me fixo no ano de 1830, data em que mirou este mundo o avô da genitora de José Maria, Alexandre Ferreira Santiago, nascido na freguesia de Pelo Sinal, hoje Município de Independência. A morte dos pais, acontecimento desairoso ocorrido após o seu nascimento, fez com que o menino Alexandre fosse levado aos cuidados de uma tia, dita Bela, na Cidade de Crateús, cujo Padroeiro é o Senhor do Bonfim. Mulher forjada na via sagrada da devoção, que vivia sob a hóstia piedosa e o cálice da salvação, Bela teve um sonho bíblico e resolveu alterar o sobrenome da criança para auspiciá-la com uma existência abençoada. Em louvor ao padroeiro da cidade, o menino foi registrado Alexandre Ferreira do Bomfim.
Aureolado pela virtú e pela fortuna, Alexandre não passou despercebido pelo patamar da História. Energizado pela fé, cresceu e multiplicou. Além de militante religioso, filiado à Irmandade do Santíssimo Sacramento, foi um cidadão consagrado aos negócios de Estado. Em Crateús, à época sob o emblema da civilização do couro, destacou-se no pastoreio pecuário. Na seara pública, foi representante do povo no Legislativo e, também, Procurador da Câmara Municipal, ocasião em que projetou o Mercado da Cidade e requereu o aforamento do terreno.
(Era desses homens que, após cada parágrafo da vida, costumava considerar o melhor sinal gráfico para apor: nenhum reparo, ponto final; digno de elogio, interjeição; questionável, interrogação.)
Em 1873, como Promotor Público, ousou enfrentar o juiz local, recusando-se a votar no candidato que o magistrado lhe impunha, o que o levou a ser exonerado do cargo. À beira do Rio Poty, no silêncio do sítio Periquito, onde residia, Alexandre redigiu uma resposta ao Juiz que era, segundo o Monsenhor Bonfim, uma verdadeira Catilinária, protagonizando a primeira quizila dessa natureza, que consta nos anais do nosso Primeiro Cartório. O sítio Periquito, a Pasárgada do nosso Patriarca, hoje é o bairro Clemilândia, e sua principal artéria tem o nome de Rua Alexandre Bomfim.
É dessa nascente cristalina, é desse córrego venturoso, é dessa fonte de virtuoses, é dessa Pátria Alexandrina que provém Maria Alaíde Bomfim e, por consequência telúrica e consanguínea, José Maria Bomfim de Morais.
(A consorte de Felipe Morais não é centenária apenas na idade. O Joatan Bonfim me dizia agora há pouco que ela conta 106 primos pelo lado paterno e 88 pelo lado materno.)
Dona Alaíde é uma dama nascida para perfumar o mundo com as essências latinas “mater et magister”: mãe e mestra. Ou, como Zacharias Bezerra nomeou, “mestra de mestras”. Dela – “mulher miúda, de riso belo e farto e de capacidade de empilhar lembranças, de plantar sementes de amizade, de ser fonte lírica de saudade, mestre ainda quase adolescente, que começou cedo a sua luta pela vida como professora primária” – o filho José Maria diz quase tudo.
As epopeias que enfeitam os cânones da literatura universal nasceram, via de regra, do pedido de nobres. Virgílio foi instado pelo imperador Augusto a compor um poema épico que cantasse a glória e o poder do Império Romano. Nasceu Eneida. O brilho da coroa de D. Sebastião motivou Camões a laborar Os Lusíadas, uma avalanche marítima das ‘memórias gloriosas daqueles Reis, que foram dilatando a Fé, o Império, e as terras viciosas, tudo sob o pálio do engenho e arte que, cantando, espalhou por toda parte’.
O livro que hoje vos apresento, senhoras e senhores, não atende à demanda individual de um potentado palaciano, mas foi motivado pelo mais nobiliárquico dos sentimentos, aquele que irrompe do âmago mais profundo da palpitação vital, a iluminada gruta da consciência, cujas paredes repousam no magnífico lençol freático da alma e se espalham pela várzea formosa do coração.
Zé Maria canta, neste pergaminho de emoção, a excelência do verdadeiro amor filial, verifica a caminhada secular da sua genitora, expõe uma serena reflexão sobre atos e atores.
Varão de fé, discípulo da esperança e devoto da caridade, examina os fatos dos últimos cem anos sob as lâmpadas de led das virtudes teologais. Cumpre não apenas o mandamento sagrado de honrar pai e mãe, mas também de espalhar as sementes verdadeiras do Reino do Amor. Gratifica-nos com Cânticos de exaltação aos seus ascendentes ao mesmo tempo em que acende a lanterna da reflexão sobre os princípios fundamentais, os valores permanentes, as causas essenciais.
Mais relevante se torna esse linho escritural em momentos delicados como o que ora vivenciamos: um desassossego civilizacional, um grave fenômeno corrosivo, um desgaste generalizado que atinge praticamente todas as lideranças nacionais. Nessa penumbra angustiante, sentimos falta de homens e mulheres de têmpera, passados nas moendas da retidão e da decência. O autor, a partir do próprio Clã, os resgata e lança às luzes da ribalta, provando-nos que “o ideal que sempre nos acalentou pode renascer em outros corações”.
José Maria conseguiu nos brindar com uma cordilheira de vulcões em permanente erupção, ejetando larvas de envolvente emoção. Mergulha nas profundas raízes do indispensável chão, aponta a primavera do amor e o curso da história, as sementeiras de luzes e as grandes amizades, o espelho vazio e a cachoeirinha saudosa, os desalentos e momentos felizes, a litania de uma vida bem vivida.
Bem colocou Juarez Leitão: “Este livro – ALAÍDE, UMA CENTENÁRIA TRAVESSIA ABENÇOADA – muito mais que uma biografia com contexto histórico, é uma oração, um salmo em prosa poética, uma epístola de amor aos crateuenses”.
Certa feita, em um encontro em Londres, Brancusi perguntou a Pound o que buscava o Poeta em seu trabalho. Ele respondeu: - busca a Beleza, trabalha a Beleza.
O labor fonético de José Maria é manufatura de Beleza. E isso é a mais pura Poesia.
Gerardo Mello Mourão, o Ipueirense que Carlos Drummond de Andrade batizou de o grande poeta do Brasil, também descendente de um Alexandre, fincou as balizas invisíveis de um território que batizou de O País dos Mourões. José Maria, cronista-mor, escriba superior, habilmente opta por outro caminho. Não ergue um País, congrega uma Pátria. País é diferente de Pátria. País é coletividade reunida pela delimitação geográfica. Pátria é entrelaçamento afetivo. Este livro é um emaranhado de algemas, uma sucessão de laços, um punhado de correntes que nos prendem às deusas da Liberdade e da Beleza!
*Advogado e ex-presidente da Academia Metropolitana de Fortaleza

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